MARIA FLORINDA CÁGADO
Um
exemplo a seguir
A nossa “conversada” deste mês
tem 79 anos, casou com José Manuel Azinheirinha já lá vão 55 e deste enlace
nasceu um filho que lhes deu dois netos.
“Nasci perto da estação do Paião.
A minha infância foi como a da maioria das crianças de então que viviam no
campo. Apenas frequentei a primeira classe na Escola Primária de S. Mateus.
Éramos sete irmãos e, quando tinha uns nove
anos, os meus pais necessitaram de mim em casa para cuidar e zelar pelos
mais pequenos, uma vez que a vida era difícil e a minha mãe também tinha de ir trabalhar
para ajudar ao sustento da família.”
Até aqui, a história da D. Maria
Florinda é igual a tantas outras. O que difere é que esse pouco tempo de
escolaridade despertou-lhe o desejo de aprender mais do que o simples conhecer
os números, aprender as primeiras letras, de as juntar nas palavras mais
simples ou fazer pequenas operações de somar.
“É verdade”, confirma. “Nesse ano de escola fiquei com uma luzes
e, sobretudo, com a vontade de aprender mais. Em casa, o meu pai foi-me
ensinando o que sabia e avancei nos meus conhecimentos. Em rapariga, e na
altura devida, comecei a namorar com o que ainda hoje é o meu marido. O tempo
foi decorrendo e, entretanto, ele foi para a tropa, pelo que o namoro era só
por carta, porque a vinda à terra não era tão fácil como é hoje. Depois, para
agravar ainda mais a situação, foi mobilizado para a Índia, onde esteve dois
anos. E então, era só mesmo por carta.”
E a D. Maria Florinda recorda
passagens desses tempos: “Como eu dava
muitos erros, fazia uns rascunhos como que se estivesse a escrever a um irmão e
dava-o a corrigir ao meu pai. Ele lá ia emendando aqui e ali, dizendo-me onde
estavam os erros e depois eu passava a limpo. Claro que quando escrevia aquelas
coisas que só se escrevem ao namorado, eu corria o risco de as cartas irem com
erros, mas ele perdoava.”
Sobre a sua actividade ao longo
dos anos, diz-nos: “Em solteira
trabalhei na agricultura e servi nalgumas casas como empregada doméstica.
Depois de casada apenas fiz trabalhos do campo. O meu marido foi
guarda-florestal e mais tarde cantoneiro, onde se reformou como capataz”.
O casal está no Abrigo há 9 anos,
sensivelmente um ano no “Centro de Dia” e os últimos oito como residente:
“Depois de ter deixado de ser
dirigente do Abrigo, a D. Vitalina Roque Sofio, como é professora, prestou-se durante
algum tempo, a dar aulas nas suas horas livres a quem quisesse aprender mais.
Claro que aproveitei e aprendi muito. Também a D. Alda Falcão deu, e continua a
dar, o mesmo tipo de aulas. Porém, e com grande pena, só eu e outra pessoa é
que aproveitamos essa oportunidade. Lamento que haja pouco interesse por parte
dos meus colegas, que nem sequer sonham o bem que lhes fazia saber ler. Sei
pouco, mas reconheço que quem nada sabe é praticamente como ser cego, porque
não tem acesso a tantas coisas que os livros nos ensinam.”
E é já com o entusiasmo estampado
no rosto que a nossa entrevistada nos revela: “Calcule que até já sei escrever no computador e utilizar a internet em
coisas simples. Estas aulas a que me referi abriram-me os horizontes e o gosto
pela leitura. Periodicamente, mais ou menos de dois em dois meses, vem aqui uma
equipa da Biblioteca Municipal trazer livros que nós podemos requisitar para
ler. Normalmente fico sempre com cinco ou seis, que vou lendo até à visita
seguinte. Interesso-me principalmente por livros de história, geografia,
ciências naturais e romances históricos. Tenho aprendido tantas coisas que nem
sequer imaginava que existissem. Adoro ler.”
Também como é tradicional, a D.
Maria Florinda recordou-nos duas quadras que cantava nos seus tempos de menina
e moça:
Fui ao jardim às flores,
Logo disse o jardineiro:
Não há flor como a rosa
Nem amor como o primeiro.
Fiz uma jura no trigo
Outro no pé da roseira:
Ou hei-de casar contigo
Ou hei-de morrer solteira.
Mas quis também mostrar os seus
dotes de poetisa. Contou-nos que, aqui há tempo, andava com o marido a dar um
passeio pela horta do Abrigo quando, inspirada pelo que ia observando, foi
fazendo de improviso as seguintes quadras:
Não olhes para a nogueira
Que ela
nozes tem só duas,
Olha aqui
para o meu peito
Que está
cheio d’ofensas tuas.
Semeei
salsa aos molhinhos
Hortelã na
outra banda,
P’ra
lograr os teus carinhos
Tenho que
andar em demanda.
Tudo
quanto é verde acaba
Em vindo o
calor do Verão,
Só as
penas reverdecem
Junto do
meu coração.
A oliveira
esgalhada
Sempre
parece oliveira
Mulher
bonita e casada
Sempre
parece solteira.
A flor da
fava é branca
E depois faz-se amarela
Minha carta já lá vai
A tua espero por ela.