JOSÉ GIL
ÁGUIA
Se se perguntar
a um grupo de pessoas se conhece o sr. José Gil Águia, provavelmente a maioria
não associa o nome ao seu titular. Porém, bastará recorrer-se à sua alcunha
para de imediato surgir a identificação. Pois é exactamente o bem conhecido ZÉ GRANDE que hoje trazemos à nossa
página.
Sem se fazer
rogado, procede de imediato à sua apresentação:
“Nasci há 76 anos, em 1937, nos Foros de Vale
Figueira e sou casado com Esmeralda Maurício Courelinhas Águia. Nesta freguesia
do nosso concelho vivi até aos 8 anos, idade em que foi para a “Calha do Grou”,
propriedade da família Cunhal, como ajuda das cabras, onde o meu pai era o
moiral. Nos Foros apenas andei e completei a primeira classe da instrução
primária, nunca mais tendo voltado a frequentar a escola. No entanto, faço
questão de salientar que nesse primeiro e único ano tive uma excelente
professora, que me ensinou a ler e a escrever. Chamava-se Fraternidade Eva da
Póvoa, que viria a ser cunhada do muito estimado Professor Feliciano Oleiro,
cuja esposa se chamava Maria Joaquina e que eu também conheci.”
Sabido o seu
percurso durante esta primeira fase da vida, o nosso amigo José Gil continuou:
“Até aos 14 anos fui ajuda do meu pai, altura
em que pedi ao feitor, sr. José Barreto, para me colocar em molheiro, que
consistia em dar molhos, de cortiça, feno ou palha, aos carreiros. Trabalhei
nas herdades da “Calha do Grou”, “Freixo do Meio”,” Amoreira” e noutras
propriedades da mesma família Cunhal. Claro que também exerci outras funções: ceifei,
gadanhei e até trabalhei em máquinas fixas, às ordens do mestre Filipe
Água-Mel.
Aos
22 anos fui trabalhar para o Engº Malta da Costa, como cabreiro, no “Barrocal
das Freiras” e “Vale de Carvalhos”. Aqui conheci aquela que viria a ser a minha
mulher, então ajudante da mãe, que desempenhava as funções de manteeira. E em
1960 juntámo-nos, como era frequente, e só anos mais tarde legalizámos a
situação."
Nova volta na
sua vida:
“Como os negócios não corriam bem para o meu
anterior patrão, fiquei como empregado
do sr. João Inácio Freixo, na herdade de “Vale de Carvalhos”, na função de
maioral das cabras.
Teria
então 28 anos regressei à casa agrícola da família Cunhal. Continuei como
cabreiro e depois passei a pastor, com a responsabilidade de um rebanho
superior a 300 ovelhas.”
Deu-se então o
que viria a ser o princípio de um novo rumo:
“Em 1970, já o meu único filho tinha quatro
anos, resolvi emigrar. Fui para Inglaterra, tendo estado em Londres durante 4
anos, a trabalhar num restaurante. Finalmente, em 1974 decidi regressar.
Comprei uma taberna no edifício pertencente ao sr. Alfredo Mineiro, ali no nº 8
da Rua do Espírito Santo e por lá me mantive durante 38 anos.”
O seu
estabelecimento era conhecido sobretudo pelas codornizes que ali preparava:
“É verdade. As codornizes eram realmente a especialidade
da minha mulher, mas também servíamos outros petiscos igualmente apreciados:
iscas, peixe frito, miudezas fritas e grelhadas, sardinhas assadas, bifanas,
carne grelhada, etc."
Esta taberna possuía
ainda uma outra particularidade que despertava a atenção e a cobiça de quem por
ali passava: numa das janelas estava sempre exposto um vaso com bem tratados e
vistosos piripiris, que encantavam os transeuntes.
“Confirmo. Aliás, esses piripiris, além dos
que mantinha noutros locais, eram depois utilizados na confecção das
codornizes, e noutros pratos que a minha mulher, belíssima cozinheira,
preparava regularmente.”
Quem esteve
durante tantos anos ao balcão de um estabelecimento deste género, certamente
que viveu e presenciou muitos episódios:
“Agora, assim de momento, não me recordo de
nenhum em especial, mas confirmo que assisti a muitas zaragatas e discussões,
originadas sempre por uma pinguita a mais dos intervenientes. Tomei
conhecimento de muitas histórias, umas que me eram contadas directamente e
outras resultantes de conversas dos clientes entre si. Mas a minha boca nunca
se abriu para revelar o que ouvia”.
Entretanto, o
nosso amigo José Gil lembrou-se de um episódio deveras curioso:
"Saiba que fui assaltado uma meia dúzia de
vezes. E uma delas, em pleno dia, aproveitando uma pequena ausência em que fui
cortar o cabelo ao do sr. José Mira. Como era por pouco tempo, não coloquei o
cadeado na porta, ficando esta apenas no trinco. Aproveitando essa circunstância,
entraram e levaram-me o dinheiro que lá tinha. Mas o mais interessante é que
foi o próprio pai do assaltante que veio ter comigo a dizer-me que o filho
tinha sido o autor do roubo. Mais: informou-me do local onde ele poderia ser
encontrado, em Évora. Fiz as necessárias diligências, o rapaz foi apanhado e
acabou por me pagar o valor do roubo em suaves prestações.”
Outra
particularidade de referir é o facto de entrarem na taberna pessoas que
passavam, olhavam lá para dentro e solicitavam autorização para fotografar o
interior. O que despertava a atenção?
“Eu tinha sempre as prateleiras bem
arranjadas, com toda a qualidade de garrafas de bebida. Tinha também muitos
quadros com fotografias nas paredes, de personalidades conhecidas, e isso
provocava admiração em quem passava, sobretudo forasteiros. Tinha, por exemplo,
entre muitas outras, fotografias do famoso embolador Martinho Miguéns e dos mestres
cavaleiros tauromáquicos Simão da Veiga e sobrinho Luís Miguel da Veiga.”
O Sr. José Águia
está no Abrigo há um ano e a esposa há mais de dois. Diz que é muito bem
tratado e não tem a menor razão de queixa de quem quer que seja.
Obrigado amigo
José. Foi um prazer falar consigo!