SALVADOR
MANUEL BOLETO
Está no “Centro de Dia” do Abrigo
desde Fevereiro deste ano. Diz estar bastante satisfeito e confessa que foi a
melhor volta que deu à sua vida.
O nosso entrevistado deste mês nasceu
no Escoural no dia 9 de Fevereiro de 1939. Tem, portanto, 74 anos de uma vida
onde os comboios desempenharam um papel importante. Mas vamos ouvi-lo contar a
sua história:
“Como disse, nasci no Escoural e vivi
em Montemor até aos 11 anos. Aqui frequentei a Escola Primária e fiz o exame da
3ª classe. Aos 11 anos fui viver para Casa Branca, onde me esperava uma vara de
porcos para guardar. E até aos 28 anos fui fazendo praticamente todos os
trabalhos ligados ao mundo rural.”
Mas por esta altura a sua vida levou
uma transformação:
“Tinha naturalmente ambições e,
então, fui tirar a 4ª classe para me candidatar a um lugar nos Caminhos de
Ferro. Fiz o exame com sucesso e entrei para a CP, que foi o meu destino até me
reformar, em 2004, com 65 anos.”
E o nosso amigo Salvador vai
recordando:
“Tinha como tarefa a manutenção da
linha, nomeadamente vigiar e substituir travessas, carris e barretas (junções
que seguravam os carris). Comecei a trabalhar em Casa Branca mas ao longo dos
anos fui prestando serviço noutras estações: Évora, Estremoz, Borba, Vila
Viçosa, Reguengos de Monsaraz, Montoito, Setil, Vendas Novas e Poceirão. Estive
ainda, em 1973, no Entroncamento a fazer um estágio que, sinceramente, na
prática nem sei para que serviu. Estava a trabalhar na estação de Évora quando
me reformei, tendo regressado para viver em Casa Branca. Nestes 37 anos de
serviço nunca sofri, felizmente, qualquer acidente de trabalho”
E onde se alojava quando andava por
aquelas localidades? “Nesses anos, todas as estações tinham
alojamentos para os funcionários, mais propriamente dormitórios. Era aí que
ficávamos quando estávamos deslocados em serviço. A propósito, devo dizer que
lamento profundamente ver o estado em que se encontram quase todas as estações
de caminho-de-ferro. Existia a tradição de cada uma delas tentar ser mais
cuidada e formosa que as restantes. As pessoas que trabalhavam nas estações
eram “opiniosas” e mantinham jardins ou canteiros floridos, que eram o encanto
dos passageiros. Ainda me recordo de haver concursos para se apurarem as
estações mais bonitas e bem tratadas. Onde isso já vai… Hoje, infelizmente, e
salvo raras excepções, são locais completamente votados ao abandono. Nem muitos
dos azulejos escaparam à onda de vandalismo. Presentemente, mesmo as estações
que continuam activas sofreram obras de remodelação e já não têm as
características de antigamente. Agora, algumas destas estações nem sequer têm
uma sala de espera, o que obriga os passageiros a aguardar o comboio no cais, e
as casas de banho existem mas estão fechadas…”
Mas o nosso amigo Boleto não se
limitava a ver passar os comboios:
“Nas férias percorri grande parte do
país. Como tinha a facilidade de viajar gratuitamente, na minha qualidade de
operário da empresa, aproveitava para ver outras vilas e cidades. Ainda hoje
tenho o cartão que me permite viajar nas mesmas condições, se bem que
ultimamente pouco tenha aproveitado dessa vantagem.”
O Sr. Salvador nunca casou, e explica
por que nunca se inscreveu no “clube” dos casados:
“Para lhe ser franco, nem eu sei bem.
Estas coisas ou são na altura certa ou depois, quando damos por isso, já passou
a oportunidade. É verdade que namorei uma rapariga durante alguns anos, mas as
coisas acabaram por não dar certas. Provavelmente, o facto do meu próprio
trabalho como ferroviário não me permitir ter “poiso” certo também não ajudou a
que isso acontecesse. Foi o destino que assim quis.”
Como sabe ler, o Sr. Boleto nas horas
em que não tem outro entretenimento vai-se dedicando à leitura.
“Leio bastante, sobretudo jornais e
revistas e, por vezes, requisito livros quando aqui se deslocam os funcionários
da Biblioteca Municipal”.