JOSÉ SIMÕES
DOS SANTOS
A história do nosso entrevistado deste mês, mais do que uma
pequena conversa, dava um longo filme, tais foram as peripécias, aventuras e
desventuras que conheceu ao longo da vida.
Mas
vamos dar-lhe a palavra:
“Nasci
há 86 anos no Ciborro, mas era muito novo quando a família foi morar para
Coruche. Quando tinha 12 ou 13 anos, já com a 4ª classe, faleceu o meu pai, que
na altura contava apenas trinta e poucos anos. Apesar de se tratar de um casal
jovem, a minha mãe viu-se viúva e com seis filhos, dos quais eu era o mais
velho.”
Foi, portanto, uma enorme e
inesperada tragédia que alterou completamente a vida familiar.
“Como
se compreende, foram tempos difíceis. Tivemos no entanto a felicidade de ser
acolhidos, aqui em Montemor, na casa do meu tio José Bento, cuja esposa era
irmã da minha mãe. O meu tio, como se deve recordar, era o chefe da central
eléctrica, tendo falecido anos depois, electrocutado, no seu posto de trabalho.
Pois foi na sua casa que morámos algum tempo. Como eu era o mais velho dos
irmãos, empreguei-me na oficina Magina. Teria já dezasseis ou dezassete anos,
já morávamos na Ruinha, fui para empregado de mesa no Bar Alentejano, onde
tinha como patrão o sr. Manuel Dias Moita, que mais tarde haveria de ser meu
cunhado. Neste estabelecimento fui colega de António Leonardo Correia, mais
conhecido por Espanhol, que depois esteve no Café Almansor e alguns anos mais
tarde emigrou para os Estados Unidos, onde penso que ainda se encontra. Aqui no
Bar Alentejano aconteceu-me uma coisa curiosa: como o movimento do café não
justificava dois empregados, dispus-me a ceder o lugar ao António e fui à
procura de outra vida.”
E foi o que na realidade aconteceu …
Com
os meus dezassete ou dezoito anos comecei a negociar em lenhas, carvões e no
que me ia aparecendo. Ao mesmo tempo trabalhava na estação de serviço do sr.
Laurentino dos Reis, de onde me ficaram umas luzes sobre a forma de lidar com
alguns dos problemas que surgiam nos automóveis. Quando chegou a altura, lá fui
à inspecção militar e está claro que fiquei imediatamente apurado, já que tinha
um corpo bem desenvolvido.
Portanto foi para a tropa, como não
podia deixar de ser …
“Claro
que acabei por ir, mas não sem antes ter havido um pequeno incidente, como vou
contar. Quando saíram os editais, vi que tinha de me apresentar em determinado
dia no quartel de Artilharia Um, em Évora. Porém, como a vontade de ir não era
muita, “esqueci-me” de ir apanhar o comboio. Dias depois, e porque me foram
chamando à razão de que aquilo não era para brincadeiras, resolvi ir
apresentar-me. Disse que tinha estado doente e a coisa não teve consequências
de maior. Depois, e como soubessem que eu já ia percebendo alguma coisa de
carros, mandaram-me tirar a carta e quando passei a pronto fiquei como segundo
motorista do carro do comandante, Major Marino.
E a vida militar decorreu sem mais
quaisquer problemas. Certo?
“Não
foi bem assim. O pior ainda estava para vir: O nosso comandante gostava
bastante de futebol e um dia, ele e mais um capitão, quiseram vir ver um jogo a
Montemor, salvo erro entre duas equipas de militares. Como eu não gostava de
bola, fui deixá-los junto ao estádio e, como sabia quando é que o jogo acabava,
fui ter com o meu amigo Rui “maneta”, que sabia ir encontrar na Laranjinha. Eu
tinha o tempo bem contado, mas eles se calhar não gostaram do jogo ou do
resultado e decidiram sair mais cedo. Tramaram-me. Pegaram no carro e foram-se
embora para Évora. Quando cheguei ao local onde tinha deixado o Ford com capota
de lona e não o vi, fiquei aflito. Entretanto o jogo acabou e um sargento
viu-me, contou-me o que tinha acontecido, e aconselhou-me que o melhor era eu
ir com ele porque, de contrário, estava metido numa camisa de onze varas.
E o amigo José assim fez…
“Claro
que fui, pois, mas receando o que me poderia acontecer. Não evitei o castigo,
ainda assim bem leve: estive impedido de sair do quartel durante quinze dias.
Do mal, o menos.”
Por fim, lá chegou a hora da
desmobilização…
“Quando
me livrei da tropa comprei um camião de 10 toneladas e comecei a fazer
transportes, ao mesmo tempo que ia fazendo os meus negócios. Porque eu pensei:
anteriormente, quando comprava e depois vendia as lenhas, os carvões ou outros
produtos, havia que recorrer aos serviços de um camionista. Se fosse eu a fazer
os transportes, era mais esse dinheiro que ganhava. E foi assim o resto da
minha vida. Cheguei a ter 3 camiões ao mesmo tempo. Já, então, vivia no
Escoural. Lá conheci a minha mulher – Constança Rosa Baptista – que me deu um
filho e uma filha e com quem estou casado há perto de sessenta anos.”
Os anos foram passando, foi vencendo
os problemas que sempre surgem, até que chega o dia em que se tem de parar.
“Fui
sempre marcado em cima pelas brigadas de trânsito. Até parece que adivinhavam
por onde eu iria passar. Por isto ou por aquilo arranjavam sempre maneira de me
multar. Umas vezes com razão mas outras sem ela. Mas enfim… lá fui andando até
que há uns anos, perto de S. Mateus, o camião entrou em derrapagem devido a uma
quantidade de areia que estava na estrada e o veículo foi embater violentamente
num sobreiro. O meu ajudante infelizmente faleceu e eu voei da cabine e fiquei
sentado na estrada. Quem primeiro chegou ao pé de mim foi o nosso conhecido
Simão Comenda. Isto aconteceu há perto de vinte anos, mas eu nunca mais fiquei
o mesmo. Estive várias vezes hospitalizado e a situação foi-se agravando.
Problemas na coluna, na bacia e nas pernas foram-me impedindo cada vez mais de
ter uma vida normal, até ao dia em que me vi preso a uma cadeira de rodas, que
é actualmente o meu único meio de locomoção.
O Sr. José Simões dos Santos está
como residente no Abrigo desde Fevereiro deste ano, enquanto que a sua Esposa
continua a viver no Escoural, na casa onde o casal morava. Felicidades para
ambos, com os nossos melhores votos de significativas melhoras.