ISABEL MARIA CUSTÓDIA
A história da nossa entrevistada deste
mês podia condensar-se praticamente em três palavras: trabalho, trabalho,
trabalho.
Nascida há 91 anos no Monte do Olheiro,
foi registada em S. Cristóvão e baptizada na Igreja de S. Romão.
“Deve estranhar que eu tenha três nomes
próprios, mas isso resulta de um equívoco de quem me registou. Naquele tempo
não havia tanto cuidado, nem as pessoas encarregadas dos assentamentos, pelo
menos algumas delas, se preocupavam com pormenores. Foi a minha mãe – Custódia
de Jesus Carvalhinho - quem se encarregou de me ir registar. Eu não sei
exactamente como as coisas se passaram, mas a verdade é que, e segundo o que
julgo saber, quando lhe perguntaram o nome, o funcionário confundiu-se e
colocou como meu apelido o primeiro nome da minha mãe. Coisas que se faziam
antigamente.”
E depois do Monte do Olheiro ?
“Teria cerca de três anos quando nos mudámos
para a herdade de “João Pais”. Por essa altura já éramos 10 irmãos, dos doze
filhos que a minha mãe teve. Eu fui a penúltima a nascer. Daí passámos para o
Moinho do Borrazeiro, ali para os lados da Rata, onde estive até aos catorze
anos.”
Mas entretanto já tinha frequentado a escola…
“Qual escola, qual quê. Nem pensar nisso.
Primeiro porque, quando morava em “João Pais”, a escola ficava longe; depois,
porque a necessidade era muita em família tão numerosa e obrigava a que todos
começassem a trabalhar desde tenra idade.”
E que tipo de trabalhos fazia então com essa idade ?
“Comecei por ajudar nas tarefas domésticas e
depois nos trabalhos agrícolas. Fiz os meus onze anos a vindimar numa herdade
na zona do Cortiço. Não havia transportes e, portanto, deslocávamo-nos a pé.
E a partir daí …
“Nunca mais parei. Ceifar trigo e cevada, sachar
milho, mondar, sargaçar, desmoitar com enxada, apanhar azeitona, eu sei lá. Fiz
todos os trabalhos do campo. E só deixei esta labuta quando tinha 75 anos. Exactamente no dia em que completei esta
idade, andava a apanhar tomate ao pé da Barragem dos Luzes, ganhando um tanto
por cada caixa. Normalmente conseguia reunir diariamente à volta das oitenta
caixas, mas naquele dia, como fazia 75 anos, quando atingi este número parei,
como se fosse uma prenda simbólica que dava a mim mesma.”
Voltemos, entretanto, uns anos atrás:
“Pelos meus dezassete anos, morava eu no
Reguengo e andava a apanhar azeitona na Quinta do Sobralinho, conheci aquele
que haveria de ser, e felizmente ainda é, o meu marido, Lourenço António
Chucha, actualmente com 98 anos. Primeiro fomos morar para a casa dos meus
sogros, no Monte do Mal Enforcadinho. Poucos meses depois fixámos residência no
Monte de Sancha Cabeça, onde tive os meus quatro filhos, dos quais três (2
raparigas e 1 rapaz) ainda são vivos, graças a Deus. São três jóias de pessoas,
melhores para nós não podiam ser.”
A D. Isabel fez questão de nos salientar ainda outros pormenores da sua
vida:
“Quando morávamos em Sancha Cabeça, chegámos
a ir trabalhar, a pé, para o Monte da Alagoa, que ficava bastante distante.
Nessa altura já tinha dois filhos e íamos todos para o local de trabalho. O meu
marido levava o mais velho às cavalitas e a menina, que era a mais pequena, ia
ao meu colo. Quando chegávamos, o miúdo andava por ali e a miúda era colocada
num caixote, onde o meu marido colocou quatro rodas e um cordel, para a
deslocarmos conforme íamos avançando no trabalho.”
E sem saudade daqueles tempos de sacrifício, ainda recordou:
“Veja a que horas, e naquelas condições,
tínhamos de sair de casa para estarmos a iniciar o trabalho quando o sol
nascia. Apenas na apanha da azeitona enregávamos com uma hora de sol. Abalávamos
de casa ainda de noite e quando regressávamos já era noite cerrada. E ainda
tinha de ir lavar a roupa e arranjar as nossas coisas. A nossa vida foi uma luta
constante.”
Finalmente…
“Depois de Sancha Cabeça fomos finalmente
para a Fazenda da Ribeira, junto ao Porto das Lãs. Os anos foram passando, as
maleitas foram surgindo e chegou a altura de pedirmos auxílio ao Abrigo dos
Velhos Trabalhadores. Primeiro beneficiámos do “Apoio Domiciliário” e, desde há
5 meses, tanto eu como o meu marido estamos aqui como residentes. E sentimo-nos
bem. Somos bem tratados e não temos razões para nos queixarmos de quem quer que
seja. Nós também fazemos por não criar problemas seja com quem for.”
E como vai preenchendo os dias ?
“Enquanto as minhas mãos me deixarem, vou-me
entretendo a fazer trabalhos em renda, que foi uma coisa que sempre gostei de
fazer: saquinhos para telemóveis, para moedas, para lenços e até um lagarto
para colocar o sabonete ou outro artigo qualquer.”
Muito bem, D. Isabel. Vá dando largas à sua imaginação, ao mesmo tempo
que nos brinda com os seus trabalhos. Boa saúde para si e para o seu marido.