ISALINA
MARIA MARCELINA
Depois das
festividades carnavalescas a que o Abrigo aderiu, como é costume, voltámos à conversa, já mais calmos e recuperados das folias, com uma das nossas utentes.
Nascida há 83
anos nos Foros dos Carapuções, perto de Cortiçadas de Lavre, numa família de
oito irmãos dos quais só duas raparigas eram mais velhas que a nossa
entrevistada, foi casada com António Filipe e é viúva há cerca de 25 anos.
A vida, como se sabe, naqueles anos era muito
difícil a todos os níveis. Repare-se nas primeiras declarações da D. Isalina:
“Nunca
aprendi a ler porque para aprendermos tínhamos de nos deslocar para Cortiçadas
de Lavre e dos montes que compunham os Foros dos Carapuções eram só rapazes que
se dirigiam para a escola, pelo que, nestas circunstâncias, o meu pai não me
deixava ir. Outros tempos, outras maneiras de ver as coisas.”
E
como também era habitual em casos semelhantes, começou a trabalhar bem cedo na
lida do campo:
“Ao
longo da minha vida fiz todas as tarefas agrícolas. Com cerca de 20 anos, ainda
solteira, os meus pais foram morar para a Barrosinha. Então, só a minha irmã
mais velha era casada, pelo que os restantes irmãos estavam na casa paterna e a
labutar no campo.”
Por
esta altura, certamente que já havia namorico …
“É
verdade que tive vários pretendentes, mas eu era muito esquisita e nenhum me
agradava. Até que, teria eu os meus vinte e quatro anos, apareceu aquele que
pensei ser o certo. Ainda hoje não sei porque foi o escolhido. Inclinei-me para
ali. Num baile campestre apareceu esse rapaz que começou a dançar comigo e foi
como que o fogo ao pé da estopa. Aceitei-lhe namoro e passados dois anos
estávamos casados. Fomos abençoados pelo Santo António e casámos pelo S. João.”
Passemos
então à fase de casada:
“Depois
do matrimónio, ficámos ainda na Barrosinha, ainda que noutras casas. Mas a
nossa permanência aqui foi sol de pouca dura, porque o monte era muito isolado.
Fomos então para a Sesmaria Nova, da Família Praça, onde, aliás, o meu marido
nascera tal como os seus quatro irmãos. O meu António Filipe sabia e fazia
todos os trabalhos agrícolas e eu ajudava-o, porque desde os meus 12 anos que
sabia o que era trabalhar a sério. E para não perdermos mais tempo arranjámos
logo o primeiro filho, o Manuel António, que haveria de nascer no ano seguinte.”
Teve
de deixar a sua actividade enquanto o seu filho era bebé…
“É
verdade. Só quando o meu filho era pequenino e precisava de mais cuidados é que
interrompi o trabalho durante cerca de dois anos. E só retomei a minha
actividade quando o podia ter ao pé de mim. Porque nessa altura tinha a meu
cargo a cozinha dos trabalhadores. Fazíamos um grande lume ao ar livre e eu
tomava conta das panelas, normalmente cobertas com testos de barro, contendo o
almoço que cada um trazia de casa. Perto desse brasido existia um alpendre,
coberto com folhas de zinco, e era aí que o meu Manuel ficava sob o meu olhar.”
E
terminaram aí as vossas andanças ?
“Não.
Dali fomos para uma outra herdade da mesma Família Praça, chamada “Carregais”,
onde viria a nascer o meu Jorge Manuel. Por aqui ficámos durante nove anos. Seguiu-se mais um igual período de
nove anos em “João Pais”, ali para os lados do Reguengo. Finalmente mudámo-nos mesmo
para o Reguengo, onde o meu marido teve a infelicidade de sofrer uma trombose
que lhe haveria de ser fatal três meses depois.”
E
a sua vida sofreu uma grande transformação.
“Sim,
como é fácil de perceber. Já estava então reformada e vivia com o meu filho
mais novo, também ele operário agrícola, que, sendo solteiro, contribui para o
sustento da casa, completando a minha reforma. Então, com o decorrer dos anos a
deixarem as inevitáveis mazelas, consegui que o Abrigo me admitisse no “Centro
de Dia”, onde me encontro desde Julho de 2014. À noite transportam-me para o
Reguengo, onde estou com o meu filho.”
Não
sabendo ler e não ligando muito aos programas transmitidos nos vários
televisores espalhados pelas diversas salas, o dia da D. Isalina passa-se
normalmente a conversar com outras utentes, quando o assunto lhe agrada ou
desperta interesse.
Confessou-nos que em nova gostava de
cantar, pelo que lhe sugerimos a entrada para o grupo coral “Cant’Abrigo”.
Sorriu, mostrou-se reticente mas ainda não se decidiu.
Boa saúde, D. Isalina, é o que todos lhe desejamos.