JOÃO JOSÉ MELGUEIRA
Este mês, quando cheguei ao Abrigo, para a habitual
entrevista, estava longe de esperar que a conversa seria com uma pessoa que eu
conheço há muitos anos e, ainda por cima, irmão do meu amigo António.
Nasceu há 85 anos no Monte do Telheiro do Costa, perto da
Fidalga, numa família que, para além dos pais, era constituída por 6 irmãos. É
casado há mais de quarenta anos com Madalena
do Céu Pereira Messias Melgueira. Não tiveram filhos. Aqui fica um resumo
da sua história de vida:
“O meu pai era moleiro e lembro-me de que trabalhou no Monte da
Azenha, no Moinho do Canal e no Moinho
do Borrazeiro. A nossa infância foi igual ao de tantas outras crianças que,
vivendo no campo, poucas oportunidades tinham de alterar uma vida desde cedo
destinada ao trabalho rural.”
Mas nunca frequentou a escola?
“De todos os meus irmãos, só os dois mais novos foram à escola. Eu, na
verdade também andei, mas apenas um mês. E quer saber porquê? A escola em que
eu estava, se é que àquilo se poderia chamar escola, era um local que só tinha
uma parede de um lado e, do outro, para segurar o telhado, estavam apenas dois
pilares. Ficava no monte do Foro, perto da herdade da Laje. A senhora que dava
as aulas não era professora oficial e apenas ensinava a ler e a escrever.
Ninguém podia ir assim fazer exame. Mas, de qualquer forma era melhor do que
nada. Pagava-se então cinco escudos por mês, sendo que o meu pai ganhava,
diariamente, sete escudos e cinquenta centavos, com que tinha de sustentar a família.
Ia a meio do segundo mês quando a “propina” aumentou para seis escudos, pelo
que a minha mãe tirou-me das aulas.”
Então não chegou verdadeiramente a
aprender coisa de jeito…
“Só mais tarde, já em adulto, é que aprendi a ler e a escrever,
primeiro com o sr. Francisco Santos e depois com o sr. Mendonça. Também não
eram professores, mas adquiri os conhecimentos suficientes para fazer o exame
da 4ª classe. Foi meu examinador o sr. Professor Jaime Martins.”
Mas voltemos à sua infância:
“Com pouco mais de oito anos comecei a guardar gado na Quinta de Paiva.
Pagavam-me dez tostões por dia e de comer. Fiz isto até aos onze anos. Tendo
deixado estas funções, iniciei-me nas fainas agrícolas, trabalhando no que
calhava, incluindo charruar com uma parelha, constituída por uma mula e uma
burra. Passados uns três anos fui aprender a padeiro, com um tio meu chamado
Luís da Venda, ali na Fidalga. Mas não gostei do ofício e regressei aos
trabalhos do campo. Já então, com dezasseis ou dezassete anos, ganhava a mesma
jorna que os homens. Mais ou menos por esta altura ia para o trabalho montado
num burro que tinha mau feitio e não gostava de dar cavalagem. Então, de vez em
quando, atirava-me ao chão. Só numa das viagens despejou-me quatro vezes.”
E foi sendo esta a sua actividade
pela vida fora?
“Não. Perto dos meus trinta anos tive um grave problema na coluna, de
que nunca mais recuperei. Por esse motivo fui forçado a deixar o trabalho no
campo e comecei a vender produtos hortícolas, galináceos e caça no mercado
municipal. Mantive-me por ali até 1974 ou 1975. Tinha então 42 ou 43 anos.
Nessa altura tive de me reformar por incapacidade física.
E ficou por cá?
“Não. Fui para o Vale de Santarém tomar conta de um matadouro,
controlando a entrada e a saída dos animais. Passado cerca de um ano a empresa
faliu. Com autorização de um dos sócios fiquei a viver nuns anexos e tive de
pensar em governar a vida, uma vez que a reforma era muito pequena. Então,
resolvi criar animais: porcos, bezerros e animais de penas, que ia vender ao
mercado do Cartaxo. E foi à volta dos meus setenta anos que regressei à base,
indo morar para uma casa arrendada no Terreiro das Pinas.”
Mas no meio de toda esta azáfama,
ainda teve tempo para o casamento.
“Na minha juventude tive vários namoricos mas sem consequências de
maior. Só quando estava na ternura dos quarenta é que aconteceu o namoro a
sério. Vendia nessa altura no mercado em Montemor e a Madalena era minha
freguesa. Tinha menos dez anos do que eu mas deu-se a faísca. Primeiro
juntámo-nos e mais tarde casámos oficialmente.”
Hoje estão os dois no Abrigo há
poucos meses. Como passam os dias?
“Não há nada como a nossa casa, mas com o meu estado de saúde a
agravar-se, tivemos de tomar esta decisão. Mas devo confessar que somos bem
tratados e que não temos nada a apontar em desabono. É claro que é muita gente
e cada qual com o seu feitio, mas tudo isso vai sendo ultrapassado.”
E como preenchem os dias?
“Quando o tempo permite damos os nossos passeios matinais na zona
exterior do Abrigo e, depois, vamos ao ginásio, passeamos com as excursões aqui
organizadas, jogamos ao bingo a feijões, vimos televisão, conversamos e já
temos assistido, na Biblioteca Municipal, às “Festas dos Contos”, onde até me
convenceram a contar histórias, anedotas ou outras curiosidades.”
Quem sabe se um dia destes não vão
também integrar-se no Coral ou numa das outras manifestações culturais e
recreativas que por aqui se vão realizando. E as marchas populares já estão à
porta …