MARCOLINA
ROSA
O Abrigo dos Velhos Trabalhadores que, com esta
denominação, assinalou a passagem do seu 50º aniversário a 13 de Junho, dia de
Santo António, nasceu e herdou a sua vocação assistencial a partir do Asilo de
Mendicidade, criado em 1 de Janeiro de 1914.
Exactamente uma semana depois da celebração da efeméride,
estivemos à conversa com uma utente do “Centro de Dia”, que se dispôs a falar
sobre alguns aspectos da sua já longa e experiente vida.
“Chamo-me Marcolina Rosa que, em boa verdade
e apenas por lapso ou omissão, não tenho oficialmente o apelido do meu pai –
Pontes. Nasci no dia 26 de Maio de 1929 pelo que já contei a passagem de 88
anos.”
Era filha única?
“Qual quê. Para não me sentir muito só,
tinha mais 8 irmãos. Nasci no Casal dos Tamancos, perto da Malveira. O meu pai
era agricultor e todos nós com ele trabalhámos até encontrarmos outras
ocupações. Como o lugar onde vivíamos era longe de tudo, só a minha irmã mais
nova fez a instrução primária quando ali mais perto abriu uma escola. Os
restantes irmãos aprenderam a ler e a escrever mas já em adultos."
E trabalhou sempre no campo e na casa
paterna?
“Não, apenas enquanto fui solteira. Já
casada, para além de ir morar para a Reboleira, trabalhava na zona da Estrela, na casa de uma família do
Alentejo, onde fazia de tudo e também exercia a função de cozinheira noutras
casas.”
Sabemos que é viúva. Conte-nos alguma
coisa acerca do seu casamento que ache ser relevante…
“Quase nem tive tempo para ser feliz no
casamento. O meu marido – Domingos José Afonso – natural de Moledo do Minho já
me traía em solteiro sem eu saber. E ao fim de cinco meses de casados
abandonou-me, foi para França, e nunca mais deu notícias. Deixou-me grávida de
3 meses da minha filha – Ana Manuela Pontes Afonso, agora com cinquenta anos.
Mais tarde vim a saber que ele tinha falecido em terras francesas.”
Sozinha e com uma filha, teve de
lutar pela vida…
“Sempre batalhei. Durante 32 anos fui
cozinhar, três dias por semana, a casa de uma senhora que morava na Estrela e
mais dois dias a casa de outra senhora que residia no Campo de Sant’Ana. Aqui
trabalhei 24 anos. Deixava o comerzinho todo feito, dividido em caixas, e
depois a família era só aquecer. A primeira daquelas senhoras, já então viúva,
gostava muito de mim e até me pagou para eu ir à Madeira e a Espanha. Com esta
mesma senhora, nos dias em que lá trabalhava, íamos as duas, das 8 às 11 horas,
ao Hospital da CUF, como voluntárias, dar uma ajuda aos doentes, e só à tarde
fazia o meu serviço de cozinheira. Mas a minha actividade não se ficava por
aqui. Aos Sábados e Domingos, juntamente com outra colega, fazíamos casamentos.”
E terminou assim a sua labuta?
"Não. Aos 62 anos reformei-me, mas a convite
de uma médica que exercia naquele hospital, ainda estive, durante as suas
férias, a tratar da sua mãe, pessoa já idosa e praticamente inválida, a quem eu
tinha de prestar todos os cuidados. Passado esse período regressei à minha casa
que tinha arrendada em Loures. Tinha então a intenção de comprar um andar e
começar a tomar conta de crianças.”
Mas, pelos visto, esse desejo não se
concretizou. E como é que, tendo sempre vivido em Lisboa ou por ali perto,
veio parar a Montemor?
“Entretanto a minha filha, com 17 anos,
casou com um filho do sr. Armando Lopes, que era dono da Pecuária da Rosenta e
do Monte do Outeiro da Laje, para onde o jovem casal foi morar. Porém, o meu
genro, quando os filhos tinham 3 e 6 anos, abalou para o Brasil. Até hoje. E
embora já tenham falado algumas vezes, nunca mais regressou ao lar. Foi então,
quando a minha filha ficou sozinha com os bebés, que eu vim para Montemor, mais
propriamente para o referido Monte do Outeiro da Laje. E assim se passaram 24
anos. Tinha eu nessa altura 64.”
“Porque a minha filha, durante o dia, tem
outras actividades, juntamente com o meu neto mais novo, fora da área da
residência, e eu já tenho alguma dificuldade em locomover-me e sempre com
receio de alguma queda, resolvi vir para aqui, onde estou desde Outubro
passado. A minha filha vem trazer-me de manhã e à tarde vem recolher-me.”
Manifestou-nos ainda o desejo de vir
a integrar o “Cant’Abrigo”, pelo que fica desde já o alerta para o maestro
André.
Esperamos numa próxima actuação do coral ver já no palco
a D. Marcolina.