MARIA JOAQUINA POMBO DE MOURA
Com esta
advertência iniciámos a conversa com a D. Maria Joaquina que, curiosamente,
reconheci logo que nos sentámos, porquanto fomos vizinhos durante os tempos da
minha meninice, quando ambas as famílias moravam na Rua dos Almocreves. Foi um
reencontro depois de um interregno de muitos anos.
Mas vamos então conhecer um pouco da
sua história:
“Nasci na rua de S. Domingos e já estaria na
casa dos trinta anos quando nos mudámos para a rua dos Almocreves. Éramos
quatro irmãos (4 raparigas e 1 rapaz) dos quais sou a única sobrevivente.”
Há um pormenor
muito importante que tem sido praticamente comum em todos os entrevistados. Se
nasceram, e viveram no campo os primeiros anos de vida, é certo e sabido que
são poucos os que andaram à escola e quase todos desde cedo se iniciaram nos
trabalhos agro-pecuários. Se o nascimento ocorreu no espaço urbano, é vulgar
vir a saber-se que foi fugaz a sua passagem pelas salas de aulas devido,
sobretudo, ao início bem cedo de uma actividade que não fugia muito da costura
ou de serviçal doméstica.
“Andei na Escola “Conde de Ferreira” onde
conclui a 2ª classe da instrução primária com a classificação de 14 valores.
Contudo, nunca cheguei a frequentar a 3ª classe, porque a família era numerosa,
o meu pai passava longos períodos hospitalizado, a minha mãe e irmãs eram
costureiras e eu tive de assumir a responsabilidade de governar a casa. Quando
a minha irmã Amélia casou, comecei também a trabalhar como costureira. Primeiro
em obras “faiancas”, isto é, como então se dizia, para “a prateleira”. Eram
aquelas peças de vestuário que não se destinavam a um determinado cliente mas
seria o início daquilo que hoje é conhecido como “pronto-a-vestir.”
E
exercia a sua actividade em casa?
“De uma maneira geral sim, mas também andei
a costurar em casa da sua tia Custódia (conhecida familiarmente por Carriça)
que, mesmo não tendo uma vida que se pudesse dizer fácil, andava sempre bem
disposta. Mas trabalhei igualmente nas alfaiatarias J. Marques, Tello de Morais
e Barradas, este ali na rua das Escadinhas.”
Mas em determinada
altura houve alteração na sua vida…
“Tinha 36 anos quando conheci e me casei com
José Batista de Moura, já divorciado, que vivia em Almada. E foi nesta cidade
que a partir daí sempre morei. Porém, tive a infelicidade de enviuvar poucos
anos depois, já lá vão quase quarenta. Mas continuei a viver na mesma casa,
tendo como rendimento as pequenas reformas. Sempre ia encontrando outros
afazeres que me ocupavam e ajudavam na economia doméstica.
E enquanto teve
forças e saúde foi sempre labutando…
“É verdade. Como já lhe disse, a minha vida
dava um romance. Trabalhei muito e tive grandes desgostos mas, com mais ou
menos dificuldade, lá ia vencendo as contrariedades. Vi falecerem todos os meus
familiares, o último dos quais foi o meu sobrinho António Justino Pombo Malta,
que era professor de história. Dedicou a última parte da sua vida a reivindicar
a justa homenagem a Aristides Sousa Mendes, cuja obra considerava não ser
suficientemente conhecida em Portugal. Escreveu até um livro sobre este
diplomata humanista. (*) Ainda não consegui refazer-me desta última perda.”
E como é que,
passado tanto tempo, conseguiu ingressar no Abrigo?
“Eu nunca perdi o contacto com esta
Instituição, quer pessoalmente quer por interpostas pessoas. Já tinha pedido
mais de uma vez, mas não é fácil conseguir vaga. Mas a minha situação estava a
degradar-se e depois de uma equipa do Abrigo se ter deslocado a Almada para
confirmar a precaridade da minha situação, logo que surgiu a vaga fui
contactada e aqui estou, desde o princípio deste mês de Outubro, depois de ter
completado 93 anos no dia 28 de Junho.”
Passado tanto tempo
voltámos a encontrar-nos, D. Maria Joaquina. E tive muito prazer neste reencontro.
Que goze este descanso com a saúde possível.
Nota: (*) – Aristides Sousa Mendes,
cônsul de Portugal em Bordéus no ano da invasão da França pela Alemanha nazi,
durante a 2ª Grande Guerra, desafiou e contrariou as ordens de Salazar e
concedeu milhares de vistos de entrada em Portugal a refugiados,
particularmente de origem judia. Foi por isso castigado e viu até o seu salário
reduzido. Tudo por salvar a vida a milhares de pessoas.