MANUEL ELISIÁRIO PIRRALHO
Menino sem escola e sem brinquedos. Rapazinho que cedo foi
obrigado ao trabalho duro de cada dia, Manuel Elisiário Pirralho nasceu no
Monte do Casão, perto da estrada que liga Montemor a Évora.
“Irei completar 90 anos no próximo mês de Fevereiro e fui o mais novo
de cinco irmãos, dos quais só eu ainda vivo. O meu pai era porqueiro no
Pinheiro e no Picote, propriedades do sr. João Manuel Malta.”
E recorda:
“Escola, nem pensar nisso. Com seis anos, perto dos sete, comecei a
guardar porcos e, para me estrear bem, comecei logo por levar pela medida
grande.. E porquê? É simples: eu não conhecia o terreno por onde caminhava e,
sem me aperceber, andava com o gado longe dos gamelões onde estavam o bagaço e
a farinha que lhes havia de servir de alimento. O meu pai parece que me
assobiava mas eu, que estava longe e com o vento contra, não o consegui ouvir.
Quando ele, zangado, veio ter comigo, deu-me duas ou três varadas nas costas.
Dizia ele que era para aprender. Não terá sido por causa disso, mas a verdade é
que aprendi e tive essa ocupação até perto dos treze.
E foi mantendo sempre a mesma
residência?
“Não. A família ia mudando porque o patrão explorava outras
propriedades, que ia arrendando, e nós tínhamos de mudar também. Mas aos
dezasseis anos já comecei a guardar gado bovino, o que fiz em vários locais.
Por volta dos dezanove já exercia outros trabalhos agrícolas, também em
diversas propriedades, mas sempre por conta do mesmo patrão.”
Entretanto os anos iam passando e era
chegada a altura de dar outros rumos à sua vida…
“Poucos anos mais tarde, e ainda que me mantivesse na casa paterna,
comecei a ter a minha independência e a possibilidade de procurar outros
trabalhos sazonais que me permitiam ganhar mais qualquer coisa.”
E a sua juventude, para além do
trabalho?
“Como qualquer rapaz da minha idade, ia a muitos bailes e funçanadas,
onde conheci e dancei com muitas raparigas. Conversava e mangava com elas, mas
não passava disso. Namorei pouco e só me apaixonei uma vez e foi logo por
aquela que ainda hoje é a minha mulher – Maria Bárbara Caravela. Tenho duas
filhas, já casadas, que residem junto a Montemor.”
E com que idade casou?
Primeiro juntámo-nos, tinha eu 31 anos e a noiva andava pelos 27/28, e
só um ano depois legalizámos a união. Fomos então morar para o Monte da
Parreira, junto ao Ciborro. A propósito
de moradias, devo afirmar que vivemos em dez locais diferentes. Vá contando: da
Parreira fomos para o Monte do Cavaleiro (S.Geraldo) e, seguidamente, para a
aldeia do Ciborro, Herdade do Meio, Casal Ventoso (Lavre), Mata Velha (na mesma
zona), Lobeira de Cima, Monte da Amoreira (Lavre), onde estive 23 anos, Monte
do Cota e Monte do Vale da Rã (Maia). Daqui entrámos para o Abrigo, em Setembro
passado.”
Foi, portanto no Monte da Amoreira,
perto de Lavre, onde se manteve durante mais tempo…
“É verdade. E sempre como vaqueiro ao serviço da Cooperativa “Boa
Esperança”. E foi ali que ao fim desses anos me reformei. Já nesta situação de
reformado estive, como já disse, nos montes do Cota e do Vale de Rã onde, por
minha conta, ia fazendo umas hortitas e outros biscates que me iam aparecendo.
Em Setembro fomos forçados a vir para o Abrigo, sobretudo porque a minha mulher
está incapacitada e apenas se desloca com uma cadeira de rodas.”
Guarda, naturalmente, muitas
recordações desses tempos de trabalho…
“Claro que sim. E até recordo, com alguma vaidade, o facto de ser
admirado pelos colegas de trabalho pelo facto de, enquanto vaqueiro, e apesar
de não saber ler nem escrever, conseguir identificar cada animal pelo nome. E
chegavam a ser manadas com uma centena de cabeças. Isto sucedia porque eu vivia
constantemente com os animais e, em muitas noites em que eu sabia que havia
vacas prestes a parir, eu pernoitava junto delas até que o vitelo nascesse.
Cria-se, assim, uma amizade aos animais que só quem viveu nas mesmas
circunstâncias pode avaliar. Quando um moiral é consciente e gosta do que faz,
conhece os animais como se fossem da família. Sabemos quais são as suas manhas
e até sabemos fazer o diagnóstico das doenças só pela maneira como se
comportam.”
De
toda a nossa conversa fica a certeza de que, ainda hoje, fala dos animais com
um entusiasmo e um carinho só possíveis para quem gostou muito do que fez na
vida.