MARIA
AMÁLIA DOS SANTOS RIBEIRO MOTA
No
“Centro de Dia” há pouco mais de um mês, a D. Maria Amália tem uma história de
vida que, tal como acontece à maioria das pessoas, está recheada de momentos
felizes e de outros, marcados pela doença, que vieram transformar por completo
a existência feliz de um lar unido durante mais de meio século.
“Os
meus pais moravam na Amoreira da Torre, mas eu nasci, num distante dia de 1937,
em casa da minha tia Catarina, que residia na Rua de S. Vicente, aqui em
Montemor, embora depois tivesse ido naturalmente para a casa paterna.”
Como foi a sua
infância?
“Se
bem que fora da zona urbana, posso dizer que tive a sorte de haver uma escola
na Amoreira, ainda que apenas leccionasse até à 3ª classe. A escola era
naturalmente frequentada por crianças que viviam em montes mais ou menos
próximos, ainda que algumas delas tivessem de vencer essas distâncias em
condições muito difíceis, sobretudo no Inverno. Algumas havia que, descalças e
sem resguardos capazes, tinham inclusivamente de atravessar a ribeira que
nalgumas alturas não era tarefa fácil. No entanto, o Dr. Alfredo Cunhal, que
era um homem com ideias avançadas para a época, apercebendo-se das dificuldades
dos jovens, tomou a iniciativa de criar uma cantina na Amoreira, onde todas as
crianças, sem excepção, comiam gratuitamente as refeições completas. E mais: para
quem frequentava a escola havia distribuição de roupa e calçado para os meses
de invernia.”
E a sua vida
depois de terminada a escolaridade possível?
“Antes
de continuar devo acrescentar que acabei por fazer a 4ª classe em adulta,
quando já era casada e tinha as minhas duas filhas. Mas voltando atrás, com 11
anos comecei a ir à azeitona e à monda, por conta do Dr. Cunhal. Nos dias de
chuva torrencial a única protecção era uma saca pelas costas, presa à frente
com um alfinete. Quando a “capa” ensopava, tínhamos de a tirar porque o peso
era insuportável. Então, era “aguentar” a chuvada até que aliviasse ou parasse.
Lembro-me da Margarida Foninhas, mulher do Custódio Açorda, que era o
manajeiro, e de todas as companheiras dessas lides, algumas residentes nos
montes próximos da Amoreira e outras que vinham da então vila.”
E nas campanhas
de verão?
“Durante
as ceifas até havia quem dormisse nos regos das searas, só para evitarem o
cansaço de se deslocarem para as suas residências. Quando o Dr. Cunhal se
apercebeu disso, disponibilizou umas casas onde esses trabalhadores que viviam
mais longe pudessem pernoitar se assim o entendessem. Na Amoreira da Torre ou
no Freixo havia sempre trabalho e trabalhadores dispostos a entrar ao seu
serviço, até por pagar jornas acima do que era normal, o que não era bem visto
pelos outros lavradores. Foi o Dr. Cunhal o primeiro a implementar a jornada
das 8 horas, ainda muito antes de isso ser legalmente obrigatório.”
E esteve muitos
anos nos trabalhos agrícolas?
“Não.
Um dia, teria eu os meus 15 anos, fui chamada para ir falar com a D. Maria
Rita, que me perguntou se eu quereria ir lá para casa como empregada. Claro que
aceitei de imediato, livrando-me assim dos temporais a que por vezes estava
sujeita. O casal tinha uma única filha, de nome Ana Maria, conhecida por
Aninhas, que era mais ou menos da minha idade. Dávamo-nos como irmãs, de tal
forma que quando foi estudar para Lisboa quis que eu fosse com ela. Mantivemos
sempre uma grande amizade e tive um enorme desgosto quando faleceu.”
Continuando a
narrativa, devemos estar a chegar ao momento em que algo de muito pessoal
acontece…
“Claro.
Por volta dos meus 17 anos aconteceu o inevitável: o namoro. O Custódio José
Mota era motorista da casa, pelo que já nos conhecíamos, ainda que até essa
altura nunca tivesse pensado nele nessa perspectiva. Tinha 22 anos quando
casámos. E ficámos inclusivamente a residir numa casa na Amoreira da Torre. O
meu marido era motorista de ligeiros e pesados e também exercia a função de
tractorista quando tal era necessário.”
Entretanto os
anos foram passando…
“E
tivemos duas filhas – Ana Rita e Natalina – e lá fomos construindo a nossa
vida. Por motivos vários fomos depois morar para a Rua Teófilo Braga e passados
cerca de dois anos para a Rua da Matriz Velha. O meu marido continuava, no
entanto, a ser motorista do Dr. Cunhal. Entretanto este faleceu e o Custódio
continuou a exercer a mesma função para a D. Maria Rita e, mais tarde, para a
D. Ana Maria. E esta situação manteve-se até o Custódio contrair a doença que o
levou para a eternidade há cinco anos”
Foi um rude
golpe…
“Foi
mesmo. Há cerca de 2 anos sofri uma queda em minha casa e bati com a cabeça no
chão. Estava sozinha, perdi os sentidos e quando os recobrei comecei a gritar
mas só na manhã seguinte, depois de uma noite fria de Março ali caída, é que
deram comigo. Fui no INEM para Lisboa, sei que fiz exames mas não me recordo de
nada. Depois transportaram-me para Évora e estava de tal forma que não conhecia
ninguém, inclusivamente as minhas filhas, e não falava.
Estava completamente ausente. No hospital em Évora disseram à minha filha que
teriam de me levar porque ali já não tinha solução. Internaram-me num Lar aqui
em Montemor, onde voltei a cair de uma cadeira onde estava amarrada. Fui
novamente para Lisboa, porque a pancada voltou a ser na cabeça. Fiz de novo
vários exames e, após uma breve passagem pelo mesmo Lar, fui internada aqui no
Hospital de S. João de Deus, onde estive três meses. Com os tratamentos
melhorei muito, ainda que estando numa cadeira de rodas. Depois fui para Mora,
para os cuidados continuados, onde estive mais três meses. Recuperei bastante.”
E presentemente?
“Dada
a completa ausência de vagas no Abrigo para o “Lar”, fui admitida para o
“Centro de Dia”. Vou portanto ficar a casa e, de noite, fico acompanhada por
uma Senhora que me apoia sempre que necessário. Em Julho passado vim para o
Abrigo. Aqui vou ao ginásio, onde continuo a recuperar, e sob a orientação da
D. Céu, que é uma jóia, vamos fazendo desenhos, trabalhos de pintura, lemos,
fazemos contas e já executámos trabalhos para expor no pavilhão do Abrigo na
próxima Feira da Luz.
Obrigado, D.
Maria Amália e desejamos que se restabeleça totalmente.