OS NOSSOS UTENTES
MARCELINO
JOAQUIM PEREIRA
Curiosamente,
ou talvez não, em meses consecutivos estivemos à conversa com os dois membros
do casal Pereira. Em Outubro falámos com a D. Perpétua Maria Saiote Pereira e
este mês com o seu marido, e nosso velho amigo, Marcelino Joaquim Pereira. Com 87 anos e casado há 44, o casal
optou por não ter filhos, já pela idade com que casaram, já pelas condições de
vida que, na altura, não eram muito favoráveis. Vamos ouvi-lo:
“Nasci
no Moinho da Pinta, que pertencia ao meu Pai, da antiga freguesia de S. Romão.
Tive dois irmãos, infelizmente já falecidos. A minha infância foi a normal para
a época. Na devida altura não frequentei a escola porque a mais próxima ficava
em S. Mateus.”
Mas sabe ler e escrever
…
“Através
da cartilha de João de Deus aprendi as primeiras letras e depois, já em adulto,
em aulas particulares aprofundei os meus conhecimentos. Em Rio Mourinho havia
uma professora, de nome D. Rosária, que me deu algumas lições, me fez uns testes
e concluiu que eu estava capaz de fazer os exames da 3ª classe e até da 4ª
classe. É que, como tive sempre muita curiosidade e interesse em aprender, ia devorando
todos os livros que apanhava à mão, quer fossem de história., de geografia ou
outros. Aquela professora propôs-me aos exames e vim a Montemor, já tinha então
quarenta e tal anos, submeter-me às provas necessárias. E foi o Professor
Feliciano Oleiro que me examinou e me aprovou nos respectivos exames.”
Mas voltemos
atrás no tempo.
“Com
treze anos tive o meu primeiro trabalho a ganhar jorna. Foi com um machado a
derrubar azinheiras, na herdade dos “Solteiros”. Depois serrava os troncos e
carregava-os às costas até às carvoarias, onde se faziam os fornos que davam
origem ao carvão. Fiz isto durante muitos anos, ainda que fosse também
realizando praticamente todos os trabalhos agrícolas, até me reformar aos 65
anos.”
E que
recordações tem do seu tempo de juventude?
“Quando
era novo ia aos bailes campestres, uma vez que era raro o Sábado em que não
havia funçanadas por esses montes fora. E como resultado disso, comecei a
namorar cedo, mas só aos 18 anos tive autorização para ir falar com a rapariga,
na casa dela. Sentávamo-nos cada um em sua cadeira, sob a vigilância apertada
da mãe, que não nos perdia de vista sequer um minuto. A segunda namorada já foi
a uma janela que me dava assim pelo peito e durou cerca de sete anos.”
E foi-se ficando
por aí ?
“Não.
Enquanto fui tropa, em Caçadores 5, em Lisboa, cheguei a namorar três ao mesmo
tempo. Uma no Carrascal, outra que morava na Casa de Cantoneiros ali à Gouveia,
e a outra no Moinho do Pisão. O curioso é que todas elas sabiam umas das outras
e, mesmo assim, os namoros prolongaram-se até aos meus
trinta anos.”
E, por capricho
do destino, não foi com nenhuma destas que acabou por casar…
“Já
havia algum tempo que eu andava de roda da Perpétua, mas esta só me aceitou
namoro quando teve conhecimento de que eu já terminara com as outras. E depois
acabámos por casar.”
E, já casados …
“Fomos
morar para o Moinho da Pinta, que era do meu pai e onde eu nascera. Este moinho
foi, em 1970, o último a deixar de laborar de entre os vários existentes
naquela ribeira, que começava por alturas da Quinta da Torre e ia até S.
Cristóvão, com um caudal que permitia a sua actividade.”
E
foram ficando por ali ?
“Os
dois trabalhando sempre na agricultura, passámos também pelo Monte da Regadia,
pelo Reguengo, dali fomos para o Monte das Monas, Vale de Freira e, antes de
“assentarmos praça” aqui no Abrigo, vivemos durante quinze anos na Quintinha à
Saúde.
Nos
últimos anos antes de atingirmos a idade da reforma, trabalhámos na UCP Vasco
Gonçalves. Aqui já eu exercia a função de escriturário que era, afinal, o que
eu gostava de fazer.”
E agora,
enquanto residente nesta Instituição?
“Ainda
hoje gosto de ler, sobretudo jornais e revistas. Frequento o ginásio, jogo ao
bingo, onde já tive a sorte de ser contemplado com um dos prémios em disputa,
que consiste em rebuçados, bolachas ou sumos. Para além de nos divertir, serve
para treinarmos a atenção. Como estamos aqui há pouco tempo, ainda não tivemos
oportunidade de vivermos outras experiências, mas desde já reconheço que esta
foi a melhor decisão que podíamos ter tomado.”
Obrigado, amigo
Marcelino, e que possam continuar, durante muitos anos, a viver juntos e com
saúde.