OS NOSSOS UTENTES
LUDOVINA DE LURDES CÂRMELO RAMALHO
Apesar de ter conhecido necessariamente
momentos de felicidade ao longo dos anos, a nossa entrevistada deste mês
conheceu igualmente muitas horas de sacrifícios e dois momentos de enorme
desgosto que igualmente marcaram a sua vida. É viúva desde Agosto passado de
Lourenço Manuel Bravo Carreiro. Mas vamos ouvi-la contar a sua história:
“Sou
natural do Escoural e a mais velha de seis irmãos. Os meus pais eram
trabalhadores rurais e, com os baixos salários e uma casa de família para
sustentar, tivemos uma infância muito difícil. Com tantos filhos, a minha mãe
não podia trabalhar porque, ao contrário de hoje, não havia onde os deixar.
Assim, era apenas a jorna do meu pai que, ganhando pouco, tinha de sustentar
toda a família. Já se pode adivinhar como era difícil a nossa vida.”
Estava mesmo a
adivinhar-se que quanto à Escola …
“Só
os meus dois irmãos mais novos foram. Eu andei lá apenas três meses. E vou
explicar porquê: Em certa altura o meu pai foi trabalhar para longe e, então,
todos nós fomos com ele. Como a minha mãe também lá arranjou trabalho, fui eu
que tive de ficar a tomar conta dos meus irmãos. Vivíamos numa barraca, feita
pelo meu pai, com umas estacas e cobertura de plástico.”
Mas em termos
económicos melhoraram um pouco, ou não?
“Pouco
mais. Veja só isto: quando a minha mãe se queixava que os mais pequenos
passavam o dia a chorar, sobretudo com fome, porque a comida era pouca, o meu
pai a quem, não sei porquê, puseram a alcunha de “Ceroula”, dizia-lhe para lhes
dar água e os deitasse, porque eles eram crianças e não sabiam o que queriam…”
E
depois desta passagem o que aconteceu?
“Voltámos
para o Escoural e, com 12 anos, comecei a apanhar azeitona. Depois, fui fazendo
praticamente de tudo. Aos 19 anos comecei a namorar e aos vinte e três casei-me
ou, por outra, juntei-me com o Lourenço, que tinha menos dois anos do que eu.
Fomos então morar com a minha sogra durante vinte meses. Mudámos depois para o
Monte da Prata, perto da Estação de Casa Branca. Entretanto nasceu o nosso
filho – Manuel José – e casámos
oficialmente no dia do seu baptizado. Quando o Manuel José tinha perto de sete
anos e foi para a Escola, ficou com a minha mãe, para que eu pudesse ir com o
meu marido trabalhar para Rio Frio. O nosso serviço era num eucaliptal, onde o
meu Lourenço, com uma serra eléctrica, procedia ao abate destas árvores. Aquilo
não tinha as menores condições e para não dormirmos ao relento, o Lourenço fez
uma cabana com armação em pano e coberta por plásticos. Por lá andámos oito
anos, apenas com visitas ocasionais ao Escoural.
Mas para além de
todas estas dificuldades, que iam vencendo, um desgosto enorme estava para
acontecer…
“É
verdade. Foi um duro golpe. O nosso filho, já casado, e com duas filhas,
vivia no Escoural e estava empregado aqui em Montemor. Ele e mais três colegas
deslocavam-se todos os dias para o emprego, revezando-se na utilização do carro.
Num dia de fim de ano, seriam certa das sete e trinta da manhã, o carro em que
seguiam e onde ele viajava ao lado do condutor, colidiu com um outro, ali junto
ao Reguengo, e ele não resistiu aos ferimentos. Faria 32 anos no dia 5 de
Janeiro seguinte. Foi um golpe muito duro.”
Mas a vida teve
de continuar…
“Nem
quero pensar no que temos sofrido. Mas temos de voltar à realidade. Em certa
altura comprámos uma casa velha, no Escoural, que aos poucos fomos
reabilitando. E quando regressei foi para lá que fomos morar. Trabalhámos os
dois na Cooperativa Agrícola do Escoural cerca de quatro anos e o meu marido
ainda fez três anos a tirar cortiça. Porém, já com mais de oitenta anos,
adoeceu e, em Agosto passado, cometeu um acto desesperado, certamente fruto do mau
estado de saúde em que já se encontrava. Foi outro rude desgosto que me
atingiu”
E agora, como
passa os seus dias ?
“Vou
com frequência ao ginásio, pinto desenhos sob a orientação da D. Maria do Céu e
vou passando os dias como Deus quer. Uns melhores que outros e não tenho tido
vontade de assistir às festas que por aqui se vão fazendo. É que ainda está
muito fresco na minha memória o desaparecimento do meu marido.”
Coragem, D. Ludovina.
Agora, como não pode remediar nada, tem de olhar por si.