Chama-se MANUEL JOSÉ mas, segundo ele próprio confidencia, é conhecido
sobretudo pela alcunha de “Lagarto”.
E o nosso entrevistado de hoje dá-se
então a conhecer: Nasci há 84 anos no Monte da Serrinha, que fica entre Santana do Campo
e S. Pedro da Gafanhoeira, pertencentes a Arraiolos, mas desde tenra idade que
resido aqui no concelho de Montemor. Estou casado há 54 anos com Rosária
Violante Marques Ferreira, natural de S. Geraldo, e desta união nasceram 7
filhos, sendo 4 rapazes e 3 raparigas.
O seu percurso de vida não foi calmo
nem isento de dificuldades: Éramos dez irmãos e, se agora a vida não
está fácil, nesse tempo as dificuldades eram muito maiores. No Verão, no tempo
das ceifas, os meus pais trabalhavam na Herdade das Carias, que ficava a muitos
quilómetros de distância da nossa casa. Então, ainda de noite, porque a viagem
durava mais de duas horas e eles tinham de “enregar” ao nascer do sol, lá íamos
nós, com uma burrinha, a caminho do destino. Os meus pais e os meus irmãos mais
velhos iam a pé, e quanto aos mais novos, metia-se um em cada compartimento
lateral do alforge e outros dois montados no animal, em cima da albarda, para
que aquela espécie de saco não tombasse com os dois miúdos lá dentro.
Chegados, éramos “arrumados” à sombra
de uma árvore e lá ficávamos todo o dia, à espera que o sol desaparecesse no
horizonte para voltarmos para casa. E já depois do sol-posto, após um dia de
trabalho exaustivo, o regresso fazia-se seguindo as mesmas regras.
E continua: Os anos foram correndo e, aos 7
anos, fui ajudar a guardar porcos na Herdade do Cabido Encarnado. Foi aqui que,
aos 18 anos, passei a pastor e tive o meu primeiro “povilhal” (1).
Quando atingi os 21 anos, o patrão
decidiu que era altura de passar para a “trincha”, isto é, trabalhar com juntas
de bois. Dois animais se o trabalho fosse lavrarem e quatro quando a tarefa era
arrojarem a terra. Passei mais tarde para carreiro e fui, ao longo dos anos,
fazendo praticamente todos os trabalhos agrícolas. Tinha consciência de que
sabia trabalhar, tinha brio em tudo quanto fazia e gostava de ensinar os mais
novos.
Até parece que o nosso amigo Manuel
José ficou por aqui. Puro engano. Ouçamo-lo: Casei-me com 30 anos e fui viver
para a Amendoeira da Graça, junto à Fonte do Abade, perto do Monte do Divor e
mais tarde, e sucessivamente, fui vivendo e trabalhando em Bate-Pé Velho ,
Quinta de Sousa, Romeiras (Cabrela), Comenda do Coelho (S. Geraldo), Benafecim
(onde fui contratado por 15 dias e estive 9 anos), Monte da Horta da Avenida
(Silveiras), Foros da Pintada e, finalmente, na zona da Ponte de Évora, onde
actualmente resido.
Até aos 80 anos, idade em que deixei
de trabalhar por as pernas já não o permitirem, fui sempre labutando. Ser
pastor a sério é uma vida muito dura e sacrificada. Os animais têm de ser
cuidados de dia e de noite e há períodos em que nem à cama vamos. Mas tenho
saudades, muitas saudades das ovelhas. Nunca me posso esquecer de que foram
elas que me ajudaram a criar os meus filhos.
Manuel José é analfabeto e hoje
arrepende-se de, mesmo em adulto, não ter aprendido a ler e a escrever. No
entanto, esse facto não o inibe de ir fazendo versos. Os que se seguem foram
ditos quando se casou:
Quem quiser comprar, eu vendo
O ramo que estou deixando:
O ramo da mocidade
P’ra mim vai-se acabando
Eu casei aos trinta anos,
Era já maior de idade,
Foi quando eu arranjei
Amor à minha vontade !
Mais recentemente, dedicou a seguinte
quadra a uma Colaboradora do Abrigo:
Entrei aqui nesta casa
E vou-lhe tirar o chapéu
Bom dia para os que estão
E p’rá menina Maria do Céu !
Manuel José e a Esposa estão desde há
dois anos no “Centro de Dia” do Abrigo. Ao final de cada dia regressam a casa e
ainda vão mexendo no que podem e dando dois dedos de conversa com as vizinhas.
Até um dia destes.
(1)
Nota: (Pegulhal: algumas ovelhas pertencentes ao pastor e
que este apascenta juntamente com o rebanho do patrão).