LUISA MARIA PETITA
Completou 95
anos em Junho passado a nossa “conversada” deste mês. A caminho do centenário,
a D. Luísa não vive dias felizes. Aliás, e conforme nos confessou, só conheceu
mais de perto a felicidade durante o tempo em que esteve casada. Tinha 22 anos
quando se “juntou” com o seu companheiro de sempre, porque isso de casar
implicava despesas que não estavam ao alcance dos noivos.
“A minha
juventude foi muito dificultosa. Nasci no Monte do Pinheiro, perto de Foros de
Vale Figueira, numa situação muito complicada. A minha mãe namorava com um
rapaz que a engravidou mas, depois, nunca mais quis saber dela nem de mim. Toda
a nossa família era pobre, pelo que se pode imaginar as dificuldades que
passámos. Aos 4 anos fomos morar para o Moinho do Álamo. Na idade certa
palmilhava muitos quilómetros para ir à escola a Santo Aleixo. Fiz a primeira
classe da instrução primária e ainda frequentei a segunda, mas entretanto a
escola fechou e terminou aí a minha aprendizagem. Tive imensa pena de não ter
continuado até saber ler e escrever, mas os tempos não eram favoráveis nem
havia escolas por perto. Hoje ainda
conheço as letras, mas já não as sei juntar.”
O caminho que a
D. Luísa teve de percorrer foi igual ao de tanta gente a quem a vida não
sorria:
“A
minha vida começou desde cedo a dar muitas voltas e as preocupações eram
constantes. A primeira grande infelicidade aconteceu quando o meu pai nunca
quis saber de nós. Se hoje não é fácil, naquele tempo era muito pior a situação
de uma mãe solteira com uma filha nos braços. Tivemos, portanto, de vencer
muita miséria e ultrapassar inúmeras dificuldades.”
Cedo começou a
conhecer os trabalhos mais duros:
“Aos
13 anos comecei a trabalhar no campo, a ceifar, e depois disso nunca mais
parei. Fiz praticamente todos os trabalhos agrícolas, e já era uma sorte quando
se conseguia arranjar patrão. A enxada e a foice foram as minhas companheiras
de toda uma vida”.
Atingida a idade
adulta, foi a vez da jovem Luísa dar novo rumo à sua vida:
“Tinha
22 anos quando me juntei com o que seria meu marido para a vida inteira. Foi o
tempo em que mais de perto conheci a felicidade, ainda que sempre com inúmeras
dificuldades. Chamava-se José Francisco e, infelizmente para ele e para mim,
faleceu há cerca de 21 anos. Tivemos dois filhos: o primeiro morreu no dia
seguinte ao do seu nascimento; o outro, de nome Guilherme, muito meu amigo,
graças a Deus ainda é vivo e goza de uma saúde normal.”
Como já referiu,
apesar de ser feliz com o companheiro, nem por isso as dificuldades económicas
se afastaram do seu lar:
“Quando
casei fui residir para o Monte de Vale de Figueira e, sucessivamente, passámos
pelo Monte do Lagar, junto à Ribeira da Lage, pelo Berlonguinho, perto de Santa
Susana (onde o meu Guilherme andou à Escola), e pelo Monte da Basbaia, entre outros. Passámos
tempos muito duros, numa vida sempre atribulada.”
Apesar da crise
com que o País actualmente se debate, e que é bem real, que dizer então de
tempos em que as dificuldades ainda eram maiores:
“Especialmente
enquanto solteira, os tempos eram muito difíceis. Nuns dias comíamos pão com
azeitonas, noutros pão com boletas e ainda noutros, pão com o que se apanhava.
Saiba que até éramos perseguidos quando tentávamos apanhar umas boletas para
comer. Havia sempre alguém de vigia, normalmente armado. Nunca dei por chegar a
haver disparos, mas veja que até as boletas tinham de ser disputadas com os
animais. Grandes misérias se viviam em dezenas de famílias.
Depois de casada,
a vida melhorou alguma coisa, porque sempre eram dois a ganhar, por pouco que
fosse.
“Enquanto
fui solteira nunca saía de casa para passear ou divertir-me. Lá ia a alguns,
poucos, bailaricos que se realizassem nas redondezas, mas não passava daí. Até
mesmo à vila só vinha caso fosse mesmo necessário. Depois de casada, e alguns
anos mais tarde, fomos a meia dúzia de excursões. Duas vezes a Fátima, uma vez
a Elvas e duas vezes à praia. Porém, destas idas à praia poucas recordações
guardo, porque o meu marido sofria do coração e o médico desaconselhava a
proximidade do mar. Assim, enquanto as restantes pessoas iam para a praia, nós
ficávamos no autocarro a esperar que regressassem.”
No “Centro de
Dia” do Abrigo vai fazer 3 anos para Novembro, a D. Luísa reconhece que é uma
ajuda e que é bem tratada. Porém:
“Para
viver com mais tranquilidade e segurança o resto dos meus dias gostaria
bastante de ficar no Abrigo como residente. Não é porque tenha receio de ficar
sozinha, porque infelizmente não possuo quaisquer bens e a pensão que recebo é
uma miséria que nem sempre dá para a mensalidade e para os medicamentos, mas a
minha idade e a doença já não me permitem fazer as tarefas domésticas. Moro
relativamente perto do meu filho mas, infelizmente, a minha nora, por motivos
de saúde, não me pode prestar assistência. Assim, limito-me a fazer a cama e
pouco mais.”
Tenha esperança,
D. Luísa. Os responsáveis estão atentos ao problema e certamente que o
resolverão quando houver oportunidade.