MARIA
VICÊNCIA PASTANEIRA
Neste final de Abril das águas mil, estivemos à conversa com
a nossa utente Maria Vicência Pastaneira,
que procurou a ajuda do Abrigo há pouco mais de um ano.
Segundo
nos revelou, nasceu há 83 anos no Monte da Giblanceira. Também ali viram pela
primeira vez a luz do dia as suas duas irmãs e dois irmãos. Destes apenas resta
um irmão, que conta mais de 90 anos.
“Em Giblanceira, propriedade da família Reis, onde o meu pai era feitor e a minha mãe se encarregava de desmanchar e tratar das carnes dos porcos, abatidos no matadouro municipal, para além de responsável pela queijaria e de outras tarefas afins, trabalhava toda a família.”
E numa altura em que a escola era um
luxo, sobretudo para quem vivia fora dos espaços urbanos, “entrava-se ao
serviço” ainda em tenra idade.
“Comecei na lida do campo com 11 anos, fazendo praticamente todas as
tarefas que a minha idade permitia. Ainda não havia tractores nem essa
maquinaria agrícola que só mais tarde apareceu e, portanto, para além da ajuda
dada pelas parelhas de machos ou mulas, todos os serviços exigiam grande
esforço físico.”
Mas era assim a vida no campo que,
para além da dureza dos trabalhos, sob o sol escaldante ou os frios cortantes,
ainda havia que percorrer, a pé, longas distâncias para se chegar de casa até ao local em que se
ia enregar.
“Vencidas
as primeiras dificuldades, já tinha 17 anos quando entreguei o meu coração e
comecei a namorar com o rapaz que viria, aos 21, a ser o meu marido durante 50
anos. Foi meio século de uma vida em comum em que nos demos sempre
perfeitamente. Infelizmente, o meu Manuel José Neves faleceu repentinamente há
mais de 10 anos, o que para mim foi, e continua a ser, um desgosto enorme."
Ficámos também a saber que quando
casaram, e porque o marido também já trabalhava em Giblanceira, ficaram ali a
residir, ainda que numa moradia independente da casa paterna.
“Quando
os meus pais faleceram fomos morar para perto do Escoural e Torre da Gadanha.
Do nosso casamento nasceram dois filhos – o Alfredo e o Manuel – que nos deram três
netos, uma neta e duas bisnetinhas que são o meu enlevo.”
Durante a nossa conversa, a D. Maria
Vicência ainda se dispôs a recordar tempos da sua juventude.
“Quando
era rapariga nova gostava muito de bailes. Tinha um irmão que tocava concertina
e, então, qualquer casa ou monte das redondezas servia para organizarmos uma
funçanada. Sobretudo durante o Carnaval, o pessoal mais novo divertia-se a
valer. Pode ter a certeza que, apesar de tudo, a mocidade era divertida.
Percorríamos os montes mais próximos e em cada casa estava sempre uma mesa
posta à medida das possibilidades de cada um. Chegávamos, comíamos e, como se
usa dizer, estava logo um baile armado.”
Como já se disse, a D. Maria Vicência
nunca frequentou a escola: "Conheço
apenas as letras de forma, que aprendi com uma cunhada minha, que se prestou a
ensinar-me, no trabalho, durante os breves períodos do almoço ou do jantar.”
Como já vão longe os tempos daquela
juventude, lamenta a nossa entrevistada:“Com
o falecimento do meu marido, o desgosto e a tristeza apoderaram-se de mim.
Provavelmente será por isso, aliado ao avançar da idade, que começou a
faltar-me a ideia. Dá a impressão que esgotei o cérebro de tanto pensar. Estou
muito esquecida. Bem gostaria de lhe poder contar mais coisas, mas não me
ocorrem. Há tempos fiz um exame à cabeça e na chapa até parecia que tinha os
miolos brancos.”
Agora, a D. Maria Vicência
encontra-se no “Centro de Dia” do Abrigo e vai passar a noite a casa do filho
Alfredo, ali na Rua Cidade do Fundão.
Agradecendo
a disponibilidade, fazemos votos para que vá gozando de boa saúde.