JOAQUIM JOSÉ PEREIRA
Tem oitenta e dois anos, é solteiro
e considera-se bom rapaz. Chama-se Joaquim
José Pereira e prestou-se de bom grado a revelar algumas particularidades
da sua já longa vida.
“Nasci em Montemor no dia 9 de Fevereiro, do já distante ano de 1932, na Rua do Poço do Passo. Nesta casa vivi até aos 14 anos, depois de concluído o ensino primário. Por essa altura a família foi morar para a Quinta das Laranjas, propriedade da D. Antónia Padeira, onde o meu pai era rendeiro. Dali retirávamos os alimentos que a terra nos dava em abundância.
Mas não tinham outra fonte
de rendimento ?
“Colada àquela quinta tínhamos o Pomar
Bravo, uma pequena propriedade nossa que, para além, de nos proporcionar o
valor da renda de umas casitas, ainda nos permitia criar, essencialmente para
venda, umas ovelhas, cabras e galináceos. Era daqui que conseguíamos mais
alguns rendimentos pecuniários.”
Deixemos esta fase da vida
do nosso entrevistado e avancemos no tempo:
“Teria eu trinta e tal anos quando
regressámos à então vila. Deixámos a Quinta das Laranjas mas continuámos a
explorar o Pomar Bravo que, mais tarde, foi vendido.”
Já em Montemor houve que
procurar meio de subsistência:
“Empreguei-me na serração da família Silva
Borges, ali na Vilamor. Estive lá uns meses e depois coloquei-me na Câmara
Municipal. Fiz aqui os mais diversos trabalhos, desde colocar alcatrão nas
estradas, andar no serviço de limpeza até que, finalmente, fui para a secção de
pintura e carpintaria, no estaleiro. Por aqui me mantive até me reformar.”
Depois dos pais falecerem, o
sr. Joaquim Pereira vivia, sozinho, na Rua do Poço do Passo, sensivelmente no
mesmo local mas depois do prédio ter beneficiado de obras de fundo. Será que
nunca pensou em casar ?
“Quando era novo namorei uma rapariga
durante cerca de catorze anos. Claro que pensávamos casar, mas ela era
tremendamente ciumenta. As constantes cenas, de ciúmes infundados, que previ
poderem continuar pela vida fora, foram decisivas para acabar com o romance
antes que fosse demasiado tarde.”
Mas voltemos à actualidade.
“Como estava sozinho, durante os últimos
cinco ou seis anos tive o “Apoio Domiciliário” prestado pelo Abrigo. Porém, há
cerca de seis meses dei uma queda, no passeio junto ao Minipreço, que me provocou
uma séria lesão ao nível da bacia e de que resultou uma incapacidade
permanente. Na altura fui radiografado e o ortopedista disse-me que o caso não
tinha solução.”
E daí …
“Daí que não tive outra solução senão a de
pedir ao Abrigo que me aceitasse no “Lar”, uma vez que a minha casa tem degraus
que eu não conseguia, nem consigo, subir ou descer. Tenho bastantes dores e
dificuldades para me deslocar mesmo em superfícies planas. Com a ajuda de uma
bengala lá vou dando uns passos, mas sempre à custa de muito sofrimento.”
Conseguimos saber que o nosso entrevistado deste mês anda a tentar escrever uns versos. Confessou-nos que ainda não estão prontos mas, mesmo assim, prontificou-se a ditar o que a seguir se transcreve:
"Se há Deus, eu não acredito
É o que a sorte me diz.
Não tem dó dum infeliz
Que se vê num conflito.
Muita gente me tem dito para eu ter devoção
E peço tanto a salvação
Que não consigo alcançar
Só me custa é o penar
Dêem-me todos atenção.
Choro a minha desventura
Eu estou farto de sofrer
Vivo assim até morrer
Se meu mal não tiver cura."
Amigo Joaquim: Não desespere. Vamos ter esperança de que melhores dias virão.