MANOEL ELISEU
Com o final do ano a poucos dias
de distância, entrevistámos um utente do Abrigo que, curiosamente, faz anos
exactamente neste mês de Dezembro. Nasceu em 1920 e, portanto, acabou de fazer
94 primaveras, ainda que nem tudo na sua vida tenham sido rosas. Também lhe
trouxeram alguns espinhos.
Foi casado durante 68 anos com
Leonarda Maria, que veio a falecer em Fevereiro de 2011. Tem dois filhos, um
com 71 anos e outro com 69.
Vamos saber alguns pormenores da
sua história de vida:
“Nasci no Ciborro, lá fui criado
e sempre vivi, com excepção de uns anos que estive emigrado em França e de uns
outros em que trabalhei em Alhandra. Com a idade de 7 anos ingressei na
primeira classe da instrução primária, vivia então na aldeia. Entrei no dia 7
de Outubro, mas nem cheguei a aquecer o lugar porque entretanto fomos viver
para a herdade da Zambujeira, onde o meu pai era rendeiro. Um dia, ele foi à
feira de Borba e comprou lá uma vara de cinquenta porcos para engorda. E aqui
começaram os meus problemas escolares. Para que o meu pai pudesse tratar de
todos os outros assuntos, pôs-me a mim, provisoriamente, a guardar os animais
por breves períodos. Mas depressa o provisório passou a definitivo e, passados
dois meses, já não havia escola. Para além disso, os meus pais tiveram 13
filhos, ao mesmo tempo estiveram vivos onze, e havia que dar comida àquelas
bocas, e todos os braços eram poucos
para trabalhar. Estivemos nesta propriedade durante 33 anos e a família sempre
ali trabalhou por conta do meu próprio pai.”
A adolescência já aí estava e,
com ela…
“Com cerca de 19 anos começaram
os namoricos. O primeiro namoro não resultou, mas logo na segunda tentativa
conheci aquela que viria a ser a minha mulher. Mas, mesmo assim, o namoro teve
fases que nem sempre foram fáceis, sobretudo enquanto estive na vida militar.
Como não sabia ler nem escrever, as cartas que a namorada me enviava eram lidas
e respondidas por um camarada de armas.”
Entretanto a tropa acabou e…
Pouco tempo depois de regressar à
vida civil decidimos casar. Eu tinha 22 anos e a Leonarda tinha 16. Em Agosto
de 1943, quando nasceu o primeiro filho, tinha feito os 17 anos em Maio.”
E trabalhou sempre por conta do
seu pai ?
“Não. Em certo momento tornei-me
independente e meti-me a seareiro por conta própria, ainda que na mesma
propriedade da Zambujeira. Porém, como a renda que pagava era muito cara, isto
é, um terço ou um quarto do valor da colheita, vi-me forçado a desistir ao fim
de três anos. E a partir daqui fui obrigado a trabalhar no campo, nas mais
variadas tarefas, por conta de outros patrões.”
Mas deu outras voltas …
“Em 1964 tentei a minha sorte como
emigrante, em França. Estive lá sempre sem a minha mulher e só vinha a casa uma
vez por ano. Trabalhei duramente, sempre na agricultura, e sacrifiquei-me muito
porque a minha ideia era a de amealhar o suficiente para comprar ou mandar
construir uma casinha. Quando regressei, em 1968, tinha conseguido alcançar esse
objectivo. E o regresso nessa altura foi apenas porque tinha cá os meus pais e
os meus sogros e não podia abandoná-los.”
Mas ainda não ficou por aqui…
“Claro que não. Algum tempo
depois, um meu irmão que era encarregado
de uma quinta, em Alhandra, convidou-me para ir para lá trabalhar com ele. E
fui. De seguida, ainda em Alhandra, estive empregado uns quinze anos em
diversas fábricas onde eram produzidos ou manuseados pesticidas e outros
produtos com componentes químicas tóxicas, o que me arruinou a saúde e me
obrigou a reformar-me por invalidez com 63 anos.”
Depois de ter vindo de França,
nunca pensou regressar lá?
“Curiosamente, em 1975 fui
chamado pelo meu antigo patrão em França, convidando-me a regressar.
Garantia-me emprego não só para mim, como também para a minha mulher e para o
meu filho. Estava na altura em Alhandra a trabalhar com o meu irmão e não
aceitei.”
E como foi a sua vida depois de
reformado?
“Fui sempre mexendo, mas algum
tempo depois enviuvei e fiquei a viver com o meu filho mais novo que, com
graves problemas de saúde, eu não podia abandonar. Porém, o meu filho mais
velho, que é emigrante na Alemanha há mais de quarenta anos, regressou provisoriamente a
Portugal e ao Ciborro para orientar o irmão e a casa onde vive. A
minha saúde também se ia degradando e eu não queria ser mais um peso para o meu filho. E assim, não tive
outra alternativa senão a de pedir ajuda ao Abrigo, onde me encontro como
residente há perto de dois meses.
Chegados ao fim da nossa conversa,
aproveitamos a oportunidade para endereçar a todos os Utentes, Funcionários(as),
Colaboradores(as), Voluntários(as), Membros dos Corpos Sociais e Leitores desta
página, UM NATAL FELIZ e um NOVO ANO sobretudo com MUITA SAÚDE !!!