PALMIRA ROSA
Quando uma qualquer instituição
celebra o centenário da sua fundação, esse facto é justamente assinalado dada a
sua raridade. Porém, quando é uma pessoa a chegar a tão respeitável idade,
ainda existem mais motivos a justificar uma referência a quem atingiu essa meta
que só poucos conseguem alcançar.
Mas a nossa entrevistada deste mês,
PALMIRA ROSA ou PALMIRA ROSA SIMÕES, fez mais: No dia 28 deste mês de Junho de
2015 celebrou exatamente 101 anos de
vida, plena, não obstante ter conhecido uma existência de sacrifícios,
renúncias, abnegação e trabalho, muito trabalho.
A sua memória já não é o que era e,
portanto, foi a sua filha Liberdade que nos foi ajudando a preencher algumas
lacunas de uma história que já vai longa.
“Comecei a trabalhar ainda em criança,
porque éramos oito irmãos e a comida era pouca para tanta boca. Da apanha da
azeitona, à monda, à ceifa e de outros trabalhos rurais, de tudo um pouco eu
fiz. Depois de casada até pedra parti.”
Com 17 anos juntou-se com o
seu homem de sempre, Salvador José Simões, mas só uns anos mais tarde casou
civilmente. O seu marido, que era cabouqueiro, já faleceu há bastantes anos.
“Trabalhei no campo até aos 40/50 anos e só
por esta idade comecei a percorrer as ruas da então vila, com uma carrocinha,
puxada por um burro, um macho ou uma mula, a recolher em latões as sobras que
as famílias e os restaurantes me iam
dando, para alimentar os porcos que tínhamos num chiqueiro perto da ribeira,
mais ou menos por baixo da ponte de ferro. Chegámos a ter e a engordar mais de
20 animais. Já
era casada e já tinham nascido os meus três filhos - Martinho, Florinda e Liberdade.”
Destas suas deambulações com
a carroça, tem umas histórias para contar:
“Devo ter a minha fotografia espalhada pelos
quatro cantos do mundo. Sempre que passava por turistas, sobretudo
estrangeiros, logo me solicitavam que me deixasse fotografar. Alguns
até me pediam o meu chapéu, que colocavam na cabeça do burro”
Mas as histórias não ficam
por aqui:
“Nestas minhas andanças tinha como
companheiro e ajudante um cãozinho chamado “Faísca”. Era um animal
inteligentíssimo. Quando eu tinha de deixar a carroça sozinha para ir recolher
as sobras, bastava dizer-lhe para ele ficar de guarda e eu abalava descansada.
Uma vez, fui à lenha para os lados do Raimundo. Andava por ali uma manada de
touros e um deles quis atacar-me. De imediato chamei o “Faísca”, dei-lhe ordem
para me proteger e o cão agarrou-se ao rabo do animal e este foi forçado a
voltar para trás. Dei-lhe ordem para regressar, ele subiu para a carroça e lá
fomos à nossa vida. Que saudades eu tenho do meu Faísca.”
Mas nem todas foram
histórias interessantes:
“Já deveria ter cerca de cinquenta anos,
andei a coser os rasgões das sacas do carvão e, quando chegavam os homens para
encher as sacas e depois carregá-las para as camionetas ou tractores, era eu
mesma que “dava carga”, passando-me pelas costas sacas que chegavam a pesar cem
quilos.”
Foi sempre uma luta
constante para ganhar a vida:
“Trabalhei muito. Em determinadas
alturas, para ajudar a suportar as despesas, ia com a minha filha Liberdade e
com os meus dois netos, a diversas albufeiras e ribeiros apanhar “verdemãs”,
que depois vendíamos a dez tostões cada. Apanhávamos centenas, mas corríamos
grandes riscos, porque muitas vezes tínhamos de entrar pela água dentro e eu já
não era propriamente uma jovem.”
Os anos foram passando e…
“As circunstâncias levaram-me a entrar para
o Abrigo e tive a sorte de entrar como residente. Morava com a minha filha
Florinda, de 80 anos, no Beco dos Pelomes, ali para os lados das Fontaínhas.
Claro que era uma situação insustentável e vi-me forçada a recorrer a esta
solução. Mas estou agora preocupada com o problema da minha filha, que já não
está em condições de viver sozinha. Vamos ver se num futuro próximo surge uma
vaga, quer para o Lar, quer para o Centro de Dia, quer para o Apoio
Domiciliário.”
Foi um prazer falar com a D.
Palmira.
Oxalá que o seu mais recente
problema se resolva em breve.