ISIDORO MANUEL VITORINO
Numa amena manhã deste princípio de
Outono, estivemos à conversa com o nosso utente Isidoro Manuel Vitorino,
conhecido também por Isidoro “Panelas”, alcunha que herdou do seu avô, que por
sua vez a adquiriu nas brincadeiras de crianças.
“Nasci no dia 9 de Maio de 1922 no Monte do Outeiro, perto de S. Mateus”, começou por nos revelar. E continuou:´
“Andei à escola em S. Mateus e fiz o exame
da 2ª classe, com a classificação de 12 valores, mas por aí ficou a minha
instrução escolar, porque cedo comecei a trabalhar como ajuda de moiral dos
porcos. E nunca mais parei. Poucos anos depois comecei a executar os vários
serviços agrícolas e, como era ainda muito jovem, ganhava a mesma jorna das
mulheres. Só mais tarde, quando já tinha corpo de homem, comecei a ganhar como
tal.”
E só por volta dos vinte anos a sua vida conheceu novos
desenvolvimentos…
“Sim, sensivelmente com essa idade iniciei o
namoro com a moça que haveria de ser a minha mulher. Chamava-se Eva Maria dos
Santos, tinha dezassete anos e morava na Quinta Ruiva, também para os lados de
S. Mateus. Foi um namoro normal e, passados dois anos, num certo Domingo, mais
concretamente a 23 de Abril de 1944, fui
lá falar com ela e decidimos juntar de imediato os trapinhos, como se costuma
dizer. E se bem o pensámos, melhor o fizemos. E lá fomos, a pé, a caminho da
vila, eu armado com noventa escudos no bolso. Chegados a Montemor, dirigimo-nos
para a Pensão Isaac, que se situava no Largo da Câmara. Pagámos cinquenta escudos
pela noite de núpcias e fiquei com quarenta escudos na carteira. Na manhã
seguinte, segunda-feira, deixei ficar a Eva na pensão e dirigi-me a casa dos
meus pais a contar-lhes a situação e a pedir que nos deixassem lá ficar até
resolvermos a nossa vida. O meu pai disse-me que sim e informou-me que iríamos
dormir no quarto que era da minha irmã. Regressei então à vila e voltei com a
Eva já para a casa paterna. Com os quarenta escudos sobrantes fui comprar dez
pães, que era a quantidade que consumíamos durante uma semana. Os pães custaram
trinta e três escudos e com os sete restantes comprei um pente para a minha
mulher, como se fora um presente de casamento.”
Quanto a lua-de-mel, nem pensar nisso, porque era luxo que nem sequer
lhes passava pela cabeça:
“Nessa terça-feira, logo pela manhã, fui
realmente passar a lua-de-mel a sachar milho no Monte do Picote. E na
quarta-feira foi a vez da minha mulher começar a fazer o mesmo trabalho e no
mesmo local.”
E como se desembaraçaram durante esses dias, uma vez que o mealheiro já
tinha sido gasto e o salário só seria pago no final dessa semana?
“Está mesmo a ver-se que durante essa
primeira semana foram os meus pais a dar-nos de comer, tendo eu apenas
contribuído com os tais dez pães”
E depois ?
“Já com o nosso próprio orçamento, ainda
vivemos na casa paterna cerca de dois anos, após os quais arrendámos uma casa
no Monte da Figueira, igualmente para os lados de S. Mateus. Desta união nasceu
um filho – Teodósio Manuel Vitorino - que continua a ser o meu grande apoio.
Entretanto a nossa situação foi legalizada, no Registo Civil e na Igreja,
curiosamente no mesmo dia em que baptizámos o nosso filho.”
Mas a sua vida ainda conheceu outros desenvolvimentos, especialmente a
nível laboral. Como nos vai explicar:
“Anos mais tarde, e quando já residíamos
para os lados dos Foros da Adua, houve um largo período de acentuada crise de
trabalho, pelo que decidi ir tentar a minha sorte como emigrante. Não fui a
salto, porque tirei passaporte e todos os documentos necessários, mas a verdade
é que me desloquei para França sem quaisquer garantias ou perspectivas de
emprego. Fui à sorte e quando cheguei dormi duas ou três noites na casa de um
meu irmão. De manhã saía à procura de emprego e, numa dessas voltas, logo ao
segundo ou terceiro dia, calhou passar por uma quinta. Estava ao portão a
espreitar quando vi um indivíduo, que depois vim a saber tratar-se do próprio
dono, que se abeirou e me convidou a entrar. Claro está que eu não sabia uma
única palavra de francês, pelo que nos entendemos por gestos. E foi nesta
linguagem universal que me apercebi que ele estava a oferecer-me emprego.
Apresentei-lhe os meus papéis e mostrei-lhe os calos das mãos, para ele
perceber que eu estava habituado a trabalhar. E contratou-me logo. Levou-me à
sua casa, no interior da quinta, apresentou-me à esposa e, mostrando-me no
relógio e com os gestos adequados, fiquei a saber as horas do início do
trabalho, do almoço e da saída. Forneceu-me instalações lá na quinta e passado
um ano a minha mulher foi lá ter comigo. Eu nem queria acreditar na sorte
grande que me tinha saído.”
E esteve lá muito tempo ?
“Trabalhei naquela quinta, como jardineiro a
tratar de flores, uma vez que a principal actividade do meu patrão era a
floricultura, durante seis anos e posso dizer que foi uma outra família que ali
encontrei.”
E no regresso, o que aconteceu?
“Quando voltei para Portugal e para
Montemor, tive durante quatro anos uma frutaria no Largo Gulbenkian, comprada
ao sr. Frango, marido da conhecida vendedora Capitolina. Acabada esta
actividade, voltei aos afazeres agrícolas. Antes de me reformar ainda fui
servente de pedreiro, nomeadamente para o empreiteiro sr. Jaime Bibe, na obra
da Cercimor.”