OS NOSSOS UTENTES
LUISA MARIA FACA
Já com o estatuto de “rainha”, título
que lhe foi conferido, por aclamação, no “Baile da Pinha” realizado no Abrigo
do dia 12 deste mês de Abril, Sua Majestade D. Luísa Maria Faca prestou-se, com alguma relutância, a falar da
sua vida privada. Que nem sempre foi fácil, como adiante se verá.
“Nasci, no dia 15 de Janeiro de 1935, na
Courela do Santíssimo, perto da ermida da Sra. da Visitação, e ali vivi
enquanto fui solteira. Sou a mais nova de quatro irmãos.”
Aqui tão perto da então vila, certamente
que andou à escola…
“Engana-se. Por motivos que ainda hoje não
compreendo muito bem, o meu pai não deixou que eu fosse. E o mesmo aconteceu
com os meus irmãos. A eles ainda posso perceber o motivo, que seria certamente
para não privar o orçamento doméstico dos seus eventuais salários. Mas comigo,
a razão seria outra. Os meus irmãos, especialmente o mais velho, que na altura
já era um homem, defendiam que eu deveria ir à Escola, mas o meu pai nunca
permitiu.”
E assim, que destino lhe reservou o
futuro?
“A labuta no campo, está bem de ver. Com 11
anos já trabalhava no duro e assim foi sempre até me reformar.”
Os anos foram passando e o inevitável
namorico aconteceu…
“Cerca dos meus quinze anos namorisquei com um
rapazito da mesma idade. Era um garoto, tal como eu. Nesses anos havia muitos
bailaricos. O meu irmão mais velho tinha uma concertina e cedo começou a
levar-me com ele para os bailes que frequentemente se organizavam, a propósito
de tudo e de nada, nos montes das redondezas. Era o tempo em que qualquer
casita se transformava em local de bailarico. E com 18 anos, já então tinha
falecido o meu pai, comecei finalmente a namorar mais a sério com o Joaquim,
que haveria de ser o meu marido dois anos mais tarde.”
E o conhecimento com o seu futuro marido
aconteceu nalgum desses bailes?
“Não. Éramos os dois trabalhadores agrícolas e
foi na Adua que nos conhecemos, porque ele morava longe de mim, nas Fazendas,
para os lados do Lanita. E, como disse, dois anos bastaram para o namoro. Com
20 anos casei-me com o Joaquim António Magrinho e desse enlace nasceram-me dois
filhos – a Idália e o José Francisco – ambos já casados e residentes em
Montemor.”
E depois de casada para onde foi morar o
casal?
“Fomos para a Quinta das Laranjas, perto dos
Cavaleiros. Mesmo ao meu lado morava uma senhora que eu considerava como a
minha segunda mãe. Chamava-se Vitorina Cartas e ainda hoje a recordo como uma
excelente criatura. Por aqui estive cerca de seis anos e era a nossa residência
quando nasceram os meus filhos. Dali passámos para o Monte das Feiticeiras, pertinho da residência anterior.”
E quando casaram continuaram a labutar
no campo?
“Sim. E sofria-se muito nos trabalhos
agrícolas. Recordo-me que em determinada altura andava no arroz, na Quinta de
Sousa, ao tempo em que a minha filha fez os três anos. E tinha de a deixar ao
cuidado da cozinheira, porque não tinha outra qualquer alternativa. Mais tarde,
andava na cortiça, numa herdade perto do Escoural, e o meu filho, apenas com
quatro meses, enquanto eu estava a trabalhar, dormia numa prancha de cortiça,
acabada de tirar do sobreiro, que lhe servia de berço. E à noite dormíamos,
juntamente com outros trabalhadores, numa casa velha e tendo, como camas,
juncos e as poucas roupas que tínhamos conseguido levar de casa.”
Era, portanto, uma vida bastante difícil.
“Tenha a certeza disso. Numa altura andámos em
Benavente, no arroz, e as condições eram igualmente deploráveis. Dormíamos num
barracão onde normalmente estavam as vacas e ali tínhamos de nos abrigar todos.
E as camas, de palha de arroz, eram separadas umas das outras com um tijolo. E
de um lado dormiam os homens e do outro lado as mulheres. Eram normalmente três
meses de grande penação. Tudo isto para ganharmos meia dúzia de tostões,
trabalhando de sol a sol.”
E a D. Luísa continuou a recordar:
“Quando os meus filhos ainda eram pequenos
mudámos para as Fazendas do Cortiço. Passado tempo o meu marido faleceu, depois
de trinta anos de vida em comum. Neste momento sou viúva há 32 anos. Entretanto
os meus filhos cresceram, casaram e foram à sua vida, como é natural. E eu, já
com mais de sessenta anos, e com pensão de invalidez, fui morar para a Fonte de
Torres com o meu irmão Manuel e a minha sobrinha Beatriz, num anexo que eles me
cederam. Mas com o passar do tempo a minha saúde foi-se degradando ainda mais.
Tinha dificuldade em fazer as coisas mais elementares e tive de tomar esta
decisão de entrar para o “Centro de Dia” do Abrigo, onde me encontro desde o
dia 15 de Março último. Vou dormir, naturalmente, à casa da Fonte de Torres.”
E como tem sido a sua adaptação?
“É claro que nada chega à nossa casa e
especialmente os primeiros dias não foram fáceis. E para não levar o tempo a
chorar tive de encontrar distracções. Assim, vou vendo televisão, conversando,
dando uns passeios e aproveito todas as oportunidades para ultrapassar esta
fase que é sempre difícil. Ajuda-me também o facto de ser bem tratada por toda
a gente, o que é muito importante. Para além de tudo o mais, tenho também a
felicidade de ter 4 netos (3 rapazes e 1 rapariga) e um bisneto, agora com 6
anos, que são a luz dos meus olhos.
E pronto. Resta-nos agradecer a
disponibilidade e desejar um reinado feliz.