ANTÓNIO
VENTURA RIBEIRO
“Guardador
de várias espécies de animais, ceifeiro, arrozeiro e tirador de cortiça, eu fiz
praticamente de tudo” começou por dizer, à laia de
apresentação o nosso entrevistado deste mês.
Que
continuou: “Nasci há 81 anos no Monte dos Ruivos, da freguesia do Couço. Éramos
seis irmãos e o meu pai era maioral de bois de trabalho. Conheço bem este monte
mas não tenho recordações desse tempo, porque quando saímos de lá era eu muito
novinho. Dali fomos para o Monte do Peso, que se situa mais ou menos à mesma
distância de Brotas e Ciborro.”
Houve
alguma alteração na vossa vida com essa mudança?
“Não.
Com sete anos “enreguei” a trabalhar, guardando uns bácoros, nome que dávamos
aos leitões, ou seja, porcos com poucos meses, de raça alentejana. Andando à
vontade pelo montado, alimentando-se exclusivamente de boletas e landes e só
muito raramente de milho, produziam, isso sim, a verdadeira e saborosa carne de
porco. As farinhas não entravam ali.”
E
a escola?
“Já
deve ter percebido que, por diversas razões, nunca lá pus os pés. Muito mais
tarde ainda fiz uma tentativa de aprender a ler e a escrever, mas apenas tive
três lições de uma hora cada. Já vê que em tão pouco tempo não aprendi fosse o
que fosse. E hoje a situação ainda se mantém igual.”
Assim,
encerrado esse assunto, continuou a sua vida de trabalho…
“E
nunca mais parei. A seguir aos bácoros foram os rebanhos de ovelhas. Depois,
com 12 anos, fui para ajuda do maioral dos bois. Era então, como se chamava, um
contratado. Ganhava jorna e, mensalmente, uma porção de azeite e farinha. O
contrato estipulava ainda que tínhamos direito a uns tantos quilos de carne de
porco em cada ano. Chegada esta altura, o feitor escolhia o porco para cada um
dos trabalhadores e se depois o peso da carne excedesse o combinado, tínhamos
de pagar a diferença. Curiosamente, eu nunca cheguei a saber quanto ganhava,
porque o contrato era feito em conjunto com o meu pai e nunca me foi dado
conhecimento de quanto era a minha parte.”
Até
quando se manteve esta situação?
"Com
15 anos saí para a “jorna” nos diversos trabalhos agrícolas, o que significava
andar já num rancho de homens a aprender e a executar as mais variadas tarefas.
Ganhava então, se bem me lembro, dois escudos e cinquenta centavos por dia. E
quando chegava ao Sábado, lá ia receber aquela “batulada”. Mas nem sempre,
porque quando a minha mãe se via aflita para conseguir dar de comer a tanta
gente, pedia ao feitor que lhe adiantasse toda ou parte da minha jorna. Aí,
então, pouco ou nada recebia. Mas mesmo que recebesse o salário por inteiro,
chegava a casa e entregava-o todo à minha mãe, mesmo quando calhava ter um
trabalho extra ao Domingo”.
Os
anos foram passando e chegou a altura de gostar de se divertir, como é natural
quando se é jovem…
“Tinha
entretanto amealhado aos poucos um dinheirito e consegui comprar uma pedaleira,
o que já me permitia não só ir para o trabalho como para me deslocar para as
Brotas ou para o Ciborro. É que, antes disso, para um lado ou para o outro
gastava uma hora a pé.”
E
qual o tipo de divertimento de que dispunham?
“Nas
Brotas, de vez em quando havia cinema. Um empresário ambulante percorria estas
localidades mais pequenas e, desde que disponibilizassem um espaço adequado,
ali realizava as suas sessões, normalmente de fitas portuguesas. Mas mesmo acontecendo
poucas vezes, eu só muito raramente lá ia porque as entradas eram pagas e o
dinheiro no meu bolso sempre pouco. Quanto a outros divertimentos, só os
bailaricos. Mesmo no Monte do Peso, uma filha do patrão organizava bailes num
celeiro da casa agrícola e era a própria que pagava ao acordeonista Possidónio
Raposo, que habitualmente lá ia tocar. Outras vezes, o patrão cedia as mesmas
instalações e, então, era a rapaziada que tomava essa iniciativa. Por norma
recorria-se a tocadores mais baratos porque as receitas eram incertas. As
raparigas não pagavam a entrada e aos rapazes era cobrado um valor quase
simbólico. Depois, lá dentro e no decurso do baile, faziam-se os chamados
“cravanços” e organizavam-se umas rifas cujos prémios eram uma garrafa de
vinho, um frango assado ou outra coisa do género. Havia ainda a popular “valsa
a prémio” que contemplava o par vencedor com uma garrafa de bebida para o rapaz
e um bolo para a rapariga.”
Eram
os cenários e ambientes naturais para começarem os namoros…
“Sim,
mas nada de grandes promessas. Uns bailes com uma, outros bailes com outra e o
tempo ia passando. Nós queríamos apenas divertir-nos, não desejando, nem
podendo sequer, arranjar compromissos.”
Mas
chegou a altura em que teve de dar o passo decisivo...
“A
certa altura foi chegado o momento de me aparecer aquela que viria a ser a
minha mulher. Namorámos, conhecemo-nos melhor e chegámos à conclusão que o
namoro teria de acabar em casamento. E assim, com 24 anos, casei com a Maria
Custódia, que Deus tem. Tivemos uma filha – Maria Rosalina -, hoje com 55 anos,
casada e com uma menina de 10 anos. Vivem em Montemor.”
E
para onde foi morar o jovem casal?
“Fomos
residir para o Monte da Fanica, igualmente da família Malta, de Coruche. Quando
o sr. Malta faleceu, a casa agrícola do Monte do Peso passou para as mãos de
uma das filhas, casada com o lavrador António José Teixeira, também de Coruche.
Trabalhei na mesma casa durante muitos anos. Em dado momento construí uma
moradia nas Fazendas do Cortiço, onde vivi durante cerca de quarenta anos.
Entretanto, a minha esposa faleceu. E, com o avançar da idade, a saúde foi
sendo abalada. Comecei com um problema grave na anca, que me dificultava imenso
a vida. O ano passado fui operado, mas fiquei sempre com impedimentos em
deslocar-me. Ainda vivi em casa da minha filha, mas como mora num primeiro
andar era bastante difícil e dolorosa a subida e descida da escada. Um dia, lá
em casa, foram dar comigo caído no chão, sem dar acordo de mim. Chamaram de
imediato a ambulância que me transportou para o hospital de Évora. Até hoje não
cheguei a saber o que me tinha acontecido. Só sei é que fiquei com mais dores
do que no tempo que se seguiu à operação. Também não sei se os dois
acontecimentos estão relacionados.”
E
então …
“Um
dia, há uns meses, a Segurança Social perguntou-me se, dado o meu estado, eu
estaria disposto a ir para um Lar, uma vez que estava demasiado dependente. Eu
disse logo que sim e que sugeria o Abrigo dos Velhos Trabalhadores aqui em
Montemor, onde eu nunca tinha entrado nem tinha conhecimentos mas do qual tinha
boas referências. Assim foi e aqui estou, como residente, desde 20 de Dezembro
passado. Terá sido uma das melhores decisões que tomei na minha vida. Sou muito
bem tratado, porque também eu me esforço por tratar bem toda a gente. O
ambiente é bom e desde que frequento o ginásio tenho sentido umas sensíveis
melhoras. Confesso-lhe, e acredite no que lhe digo, que nem tenho saudades da
minha casa.”
Desejamos
ao Sr. Ribeiro que se mantenha durante muitos anos com essa excelente
disposição.