JOAQUINA ADELAIDE
Chamo-me
Joaquina Adelaide, mas lá para os meus lados sempre fui conhecida como
“Joaquina Sacristoa”, alcunha que me vem do facto do meu pai ter sido
sacristão. – Foram estas as
primeiras palavras proferidas para início da nossa conversa deste mês.
E continuou a
desfiar o seu rosário de recordações: Nasci há 87 anos em S. Romão , que à data era
freguesia mas que mais tarde acabou por ser anexada a S. Cristóvão. Cedo
comecei a trabalhar no campo, porque havia que contribuir para o orçamento
familiar. Nunca fui à escola, não só porque ficava longe mas também porque, por
esses anos, não era reconhecida tal utilidade nos meios rurais. E hoje tenho
pena, porque apenas sei desenhar o meu nome e poucas letras conheço.
Aos 26 anos, a
sua vida deu uma volta: Conheci pouco antes o que haveria de ser meu
marido e casei-me com essa idade.. Chamava-se Joaquim Inácio aquele que
partilhou comigo os meus anos mais felizes. Tinha uma barbearia e uma oficina
de bicicletas na Torre da Gadanha e foi aí que vivemos até ao seu falecimento,
há perto de 20 anos.
A D. Joaquina
nunca parou: Durante aqueles anos na Torre, trabalhei muito a ajudar na matança de
porcos, migando carnes e fazendo enchidos, para serem vendidos no
estabelecimento de João António Mira Gião, que infelizmente faleceu há poucos
meses. Ao serão, ou quando ali não havia serviço, era costureira de calças de
homem.
E foi
recordando: Com o falecimento do meu marido, o meu mundo desmoronou-se. Nunca
tivemos filhos e já não tinha familiares próximos, a não ser três sobrinhas.
Fiquei praticamente sozinha e a minha vida alterou-se completamente. Vim para
Montemor, para uma casa na Travessa do Espírito Santo e, presentemente, resido
na Travessa da Cruz da Conceição.
Mas nunca deixou
de labutar: Já viúva, continuei a trabalhar. Durante uns anos ia ao Monte das
Colheireiras ajudar uma senhora, chamada Ana Glória, na lida da matança dos
porcos, nos enchidos e, ainda, na queijaria.
Mas não ficou
por aqui: Anualmente, ia um mês para o Algarve, mais propriamente para Cabanas de
Tavira, acompanhar e tratar de uma senhora viúva, cega e praticamente sem
ouvir, que ali tinha uma moradia e ia passar as suas férias. No resto do ano
estava num lar em Alhos Vedros. Apenas
lá fui dois anos porque, entretanto, a senhora faleceu.
Até que …: Com
os anos a passarem e tendo fracturado um braço, o que me impedia de fazer
certos trabalhos, pedi auxílio ao Abrigo, onde estou no “Centro de Dia” há
cerca de três anos. Tenho sido muito bem tratada mas, como deve compreender,
não há nada que chegue à nossa casinha. E nem quero pensar no dia em que as
coisas da minha casa, reunidas ao longo dos anos com tanto trabalho e carinho,
serão desmanteladas e possivelmente muitas delas atiradas para o lixo. É
doloroso.
Aqui no Abrigo,
a D. Joaquina ocupa os seus tempos de ócio a ver televisão, a conversar e a
participar nas viagens e nas actividades sócio-culturais que periodicamente têm
lugar.
Nunca
tive, e continuo a não ter, feitio para estar desocupada e, então, ofereci-me
como voluntária para pôr diariamente a mesa de todos os utentes nas principais
refeições servidas no Abrigo. É a maneira de ocupar o tempo e de continuar a
sentir-me útil.
Que possa
continuar por muitos anos!