CAPITOLINA MARIA (PITEIRA)
Vamos encerrar
as entrevistas deste ano com uma Senhora cuja família é bem conhecida de todos
nós.
Nasceu em S.
Cristóvão há 93 anos, mais propriamente no dia 9 de Outubro de 1922. É a mais
velha de três irmãos (2 rapazes e ela própria) e começou bem cedo a conhecer as
agruras da vida:
“O
meu pai era carvoeiro e vinha numa carrocinha com um burro trazer o carvão a
Montemor. Dentro do que a minha idade permitia, lá o ia ajudando em diversas
tarefas, reunindo lenha ou toros com que se alimentavam os fornos da carvoaria.
É claro que quanto a escola nem pensar nisso. E foi assim que decorreu a minha vida até aos 11 anos, idade que tinha
quando a minha mãe faleceu. Os meus irmãos tinham, então, 9 e 6 anos.”
Se a vida não
tinha sido fácil, percebe-se que a partir daí tudo se agravou:
“Este
triste acontecimento foi um rude golpe para todos nós. Como já disse, tinha
onze anos e foi precisamente com esta idade que vim trabalhar para casa do Sr.
Francisco Simões Carneiro, que era 2º comandante dos Bombeiros e morava na Rua
5 de Outubro, ou Rua Nova, como era mais conhecida. Desde criança que sentia um
certo entusiasmo com a cozinha. E foi nesta casa que aprendi e fui
desenvolvendo os meus conhecimentos nesta arte. Com catorze anos fui servir
para casa da D. Celeste Falcão, mãe de Guilhermina Marques. A senhora morava
ali na esquina da Ruinha com a Rua do Calvário, junto ao Jardim Público.
Recordo que depois da senhora falecer, esta casa foi abandonada e esteve em
ruínas durante muito tempo, só conhecendo a sua reabilitação há relativamente
poucos anos.”
E por quanto
tempo por lá se manteve?
“Estive
ali até aos 21 anos, idade com que me casei, depois de ter namorado cerca de 3
meses.”
Estranhámos e
perguntámos se apenas com três meses de namoro ficou logo com a certeza de que
iria dar o passo certo. E a resposta veio pronta:
“Aquele
que viria a ser o meu marido – Joaquim Francisco Piteira - trabalhava como
carpinteiro de carros (carroças) na oficina do Sr. Serra, conhecido por
“Segeiro”. Então, dada a proximidade entre o seu local de trabalho e a casa
onde eu servia, o conhecimento aconteceu naturalmente. O meu pai entretanto já
tinha falecido há quatro anos atrás, eu vi-me sozinha e decidi que era altura
de encaminhar a minha vida. Nunca tinha namorado e ninguém tinha qualquer coisa
a apontar-me. E logo que conheci aquele rapaz fiquei com a certeza de que era a
pessoa certa e, felizmente, não me enganei. A minha sogra morava na Ruinha e,
como depois vim a saber, estava sempre a perguntar ao filho quando é que ele me
levava. Então, um dia aconteceu. Fugimos, mas não foi para muito longe porque
ao lado da minha sogra havia uma outra casa e foi lá que nos instalámos. Pouco
tempo depois regularizámos oficialmente a nossa união, numa cerimónia celebrada
na Igreja do Calvário pelo Padre Cerca. Foi naquela casa que nasceu o nosso
primeiro filho.”
A prova mais
evidente de que a D. Capitolina acertou na escolha do seu marido e de que
estiveram sempre muito ligados afectuosamente, está no facto de terem tido 7
filhos (5 raparigas e dois rapazes) felizmente ainda todos vivos…”
“É
verdade. Graças a Deus. E a sucessão está garantida, porque tenho 16 netos, os
bisnetos já são 11 e com um outro a caminho.”
Mas vamos lá a
retomar o seu percurso de vida.
“Como
já disse, naquela casa da Ruinha nasceu o meu primeiro filho. Entretanto, as
carroças começaram a desaparecer, sendo aos poucos substituídas por carros,
carrinhas e camionetas. E a oficina do sr. Serra começou a sentir essa mudança,
traduzida em menos trabalho. Daí que, em determinada altura, o meu marido foi
convidado a ingressar na firma José Joaquim Cornacho & Filhos, onde acabou
por ficar durante mais de quarenta anos. E ali, desde reparações de maquinaria
agrícola, serviços de carpinteiro, forjador e ferramenteiro fez praticamente de
tudo. Quando entrou para a firma fomos morar para o chamado “Monte dos
Cornachos” e posteriormente para uma casa junto à oficina.”
Foi um bom
período da sua vida…
“Exactamente.
Sobretudo até o meu marido falecer, tinha eu 66 anos. Nessa altura fui morar
para o Bairro de N. Sra. da Visitação, onde residi mais de 20 anos.”
Está no Abrigo,
na vertente “Centro de Dia”. E à noite ?
“À
noite e durante os fins de semana vou, alternadamente, para casa de cada uma
das minhas filhas.”
Já nos disse que
nunca andou à escola enquanto criança. E depois de adulta ?
“Há
uns anos, já então era viúva, andei ali no Convento de S. Domingos, mas por
motivos de doença tive de desistir. Ainda aprendi uns rudimentos, mas com o
passar do tempo fui-me esquecendo.
E aqui no Abrigo
desenvolve alguma actividade ?
“Aproveito
os passeios que o Abrigo organiza, e já fui a vários lados, nomeadamente a Fátima
e Vila Viçosa. Também aqui em Montemor, e para além das minhas voltas pelo
espaço exterior, participo igualmente nas visitas que fazemos regularmente a
vários locais.”
Mas a D.
Capitolina sabe que existe aqui um grupo de teatro e um grupo coral. Nunca
esteve tentada a experimentar ?
“Olhe,
ainda ontem (dia 15 de Dezembro) assisti à Festa de Natal, feita pelos utentes
do Abrigo, e gostei de ver. Aliás, devo confessar que já pensei ir para o grupo
coral, mas depois acabo por desistir da ideia.”
Porque ficámos
convencidos de que a concretização deste desejo é só uma questão de tempo e de
um empurrãozinho, fomos com a D. Capitolina junto do maestro André Banha
dar-lhe conhecimento de que estava ali uma possível futura coralista. Ficou
logo combinado que iria comparecer na segunda-feira seguinte para o seu primeiro
ensaio.
Para terminar, a
nossa entrevistada ainda quis acrescentar o seguinte:
“Olhando
para o que foi a minha vida, reconheço que, a par das contrariedades e
desgostos que sempre acontecem, sobretudo quando desaparecem os entes queridos,
tive uma vida feliz. Fui bafejada pela sorte com o marido que escolhi e com os
filhos e filhas que tenho e que ainda hoje são os meus melhores amigos.”
Resta-nos
desejar à D. Capitolina, a todos os Utentes, Funcionários, Colaboradores,
membros dos Órgãos Sociais, e respectivas Famílias, um BOM NATAL e um NOVO ANO
sobretudo com muita saúde!