ALFREDO JOSÉ RAFAEL PEREIRA DA SILVA
Tem
94 anos e uma excelente memória. Está no Abrigo, como residente, há perto de um
ano e enviuvou há três anos de Lourença
Custódia Vieira, sua companheira de sempre.
“Nasci
no Monte Novo das Fazendas. Éramos oito irmãos, dos quais agora somos só dois,
sendo eu o mais velho. Ainda muito novinho viemos morar para a rua do Matadouro
e depois para a Rua de Aviz. Como éramos muitos a comer e apenas um a ganhar,
fui guardar porcos com apenas sete anos.”
Então
e a escola? Mesmo morando cá na vila não foi aprender a ler e a escrever?
“Como
já disse, a vida era muito difícil e todos os tostões faziam jeito. Comecei a
trabalhar no Monte do Reguinguete, colado à Caravela, e o meu patrão era o sr.
José Antas (pai). Porque o local de trabalho ficava longe e não tinha qualquer
meio de transporte, nem todas as semanas vinha a casa. Ficava lá a dormir numa
tarimba e a comida era fornecida pelo patrão e cozinhado pela manteeira para
todos os trabalhadores. Estive nesta situação meia dúzia de anos.”
Então
nunca chegou a aprender a ler ?
“Aprendi.
Teria eu uns quinze ou dezasseis anos, e portanto já sem idade para entrar para
a escola primária oficial, comecei a ir a casa de uma professora reformada, que
morava na Rua de Aviz, e, pagando, lá fiz a 3ª classe.”
E
o que aconteceu depois de concluídos os estudos ?
“Como
não podia deixar de ser, voltei aos trabalhos agrícolas. Entretanto, chegou a
altura de ir “às sortes”, isto é, à inspecção militar. Fiquei apurado e mandaram-me
assentar praça em Lanceiros 1, em Elvas.”.
E
depois de cumpridas as obrigações patrióticas …
“Regressei
ao mundo rural. Porém, já por volta dos meus trinta anos, comecei a dar
serventia de pedreiro tendo como patrão o empreiteiro sr. Luís Torres, mais
conhecido por Luís da Volta. E até me reformar estive sempre mais ou menos
ligado a esta arte da construção civil.”
Não
conheceu, portanto outras actividades?
“Conheci.
Como ainda hoje acontece, havia alturas em que o trabalho escasseava. Então
tinha de recorrer a tudo o que ia aparecendo, inclusivamente a vender cântaros
de água. Por conta do sr. Adolfo Velhinha, percorria a vila com uma carroça
preparada para transportar vários cântaros e ia avisando a freguesia da minha
chegada com uma campainha que agitava.”
Recordo-me
dessa, ou de outra carroça idêntica, cujo condutor de vez em quando batia com
uma varinha nos cântaros para saber, pelo som produzido, os que estavam cheios
e os que já se encontravam vazios…
“É
verdade. Mas, já agora, quero contar-lhe um episódio que me aconteceu enquanto
aguadeiro e que viria a mudar completamente o rumo da minha vida. Um dos meus
clientes era o sr. Júlio Guerra Pereira, cuja casa fazia esquina da rua 1º de
Maio com a rua dos Almocreves. Era lá empregada doméstica, ou criada, como na
altura se dizia, uma rapariga que se chamava Lourença e que um dia, por
brincadeira, mas certamente já com o propósito de meter conversa comigo,
escondeu-me uma das rolhas de cortiça com que os cântaros eram tapados. Eu não
dei por isso e ela ia mangando comigo, mas só para ter pretexto de conversa.
Rindo, gostava de me dizer que eu andava à cata da rolha. E o estratagema
resultou, porque começámos a namorar e passados poucos meses já estávamos
juntos. Só mais tarde casámos oficialmente.”
Digamos
que foi praticamente “tiro e queda” …
“É
verdade. E foi um passo importante que dei na minha vida. Demo-nos sempre bem
durante os mais de sessenta anos em que vivemos juntos. E ainda conhecemos a
felicidade de ter dois filhos – o Júlio e a Palmira.”
E,
entretanto, foi conhecendo novas residências:
“Quando
casámos fomos morar para o Monte do Lameirão, depois para um monte perto da
Maia, para a Travessa da Hora das Bacias e, finalmente, para o Bairro Dr.
Cunhal. Com o falecimento da minha esposa e com o meu estado de saúde a degradar-se,
de tal forma que me obriga a estar confinado a uma cadeira de rodas, era
inevitável uma solução. E a entrada para o Abrigo foi a melhor forma de
resolver o meu problema.
Obrigado,
sr. Alfredo. Foi um gosto conversar com o meu Amigo.