MARIA
BERNARDINA DE JESUS VERMELHO
Num
dia em que a Primavera continua desagradável e a teimar em não nos oferecer
aquele tempo ameno de que todos já temos saudades, estivemos à conversa com a
D. Maria Bernardina.
Tem
84 anos e nasceu em Vale de Marias de Baixo, perto de S. Matias. Está casada,
há sessenta e tal anos, com Manuel
Francisco Pires.
E
começa então a desfiar a sua história:
“Éramos
quatro irmãos, mas infelizmente só eu e uma irmã mais nova somos vivas. A vida
no campo, naquele tempo, era muito difícil. Comecei a trabalhar com 10 anos e
aos onze já ceifava. Nunca frequentei a escola, até porque por esses anos ainda
não havia essa obrigatoriedade e só anos mais tarde houve escola em S. Matias.”
Então,
foi a labutar nas fainas agrícolas que se foi fazendo mulher…
“Exactamente.
Em determinada altura veio dos lados de Portel um rapaz, acompanhado pelo pai,
para trabalhar para o mesmo patrão. Ele era cinco anos mais velho do que eu,
que apenas tinha doze ou treze anos. Aliás, o pai dele, em jeito de
brincadeira, ia dizendo que um dia haveríamos de casar. Mas, claro, o meu pai
não achava graça a isso.”
E
ficou por aí a conversa ?
“Teria
eu 17 anos, cheguei à conclusão de que gostava desse rapaz e começámos muito
timidamente, e à socapa, a conversar, porque os meus pais achavam que eu era
muito nova. Já o pai dele via com bons olhos o namoro e até um futuro casamento
porque, sendo ele já viúvo, queria ver o filho amparado.”
Portanto,
já estou a adivinhar que as coisas começaram a andar para a frente…
“Estava
mesmo a ver-se. Começámos a namorar ao sério e, tinha eu 19 anos e ele 25,
resolvemos juntar os trapinhos. Como consequência normal, eu engravidei e,
pouco depois, no casamento de uma cunhada, ela disse ao Padre a posição em que
nós estávamos e ele prontificou-se a regularizar a situação, o que aconteceu
passados brevíssimos meses. Já casados, ficámos a morar numa outra casa em Vale
de Marias de Baixo. Eu fui trabalhando até começarem as nascer os restantes
filhos, especialmente a partir do segundo, enquanto o meu marido ia labutando
na sua actividade muito exigente: porqueiro e afilhador de porcas”
Então,
quantos filhos tiveram ?
“Tivemos,
e temos, 5 filhos: 4 raparigas e 1 rapaz, felizmente todos eles com as suas
vidas arrumadas. A minha filha Romana mora perto de nós, ali na Rua de S.
Domingos, e é quem nos vai ajudando naquilo que é necessário.”
Recordando
os tempos passados, D. Maria Bernardina reconhece e confessa:
“Eu
hoje é que vejo que naqueles anos estava completamente às “escuras”, se bem que
nos últimos tempos já tivéssemos luz eléctrica e até televisão. Mas vivíamos
num ermo e nem me apercebia do mundo que girava à nossa volta, metida naqueles
matos sem ver praticamente ninguém. Houve anos em que quando por qualquer
circunstância ali aparecia alguém desconhecido, até fugíamos com medo.”
E
da sua casa no campo veio logo para o Abrigo?
“Não.
Vim primeiro morar na rua das Ricas e depois para a rua de S. Domingos. Foi
quando comecei a abrir os olhos e a ver coisas que eu nem sonhava que existiam.
Entre o ambiente de ermo em que vivíamos e o que viemos encontrar em Montemor
era uma enorme diferença.”
Mas
de vez em quando dava os seus passeios…
“Não.
Nunca gozei a vida. Primeiro porque o meu pai era muito austero e, depois de
casada, a actividade do meu marido não lhe permitia afastar-se do gado. Só por
duas vezes, em que conseguiu um substituto, é que fomos a duas excursões de um
dia, a Fátima e à Marinha Grande. Mas num dia, era tudo a correr. Nem dava
praticamente para nada.”
E
agora ? O Abrigo organiza passeios a vários locais. Era uma boa oportunidade
para ver o que nunca viu.
“Realmente,
hoje em dia há essa possibilidade, mas o meu marido não quer ir e também não vê
com bons olhos que eu vá sozinha.”
É
de referir que o casal está no “Centro de Dia” do Abrigo há um ano e que,
segundo nos confessou, são muito bem tratados.