CUSTÓDIO FRANCISCO CAMISOLA
Foram
mais de sessenta, os anos de trabalhos esforçados por que passou o nosso
entrevistado deste mês ao longo da sua vida.
Ouçamos
a sua história:
“Nasci
na freguesia de Nossa Senhora da Tourega, concelho de Évora, no dia 31 de
Outubro de 1935. Éramos três irmãos, dois rapazes e uma rapariga, já falecida.
O meu pai era carreiro e, ainda eu tinha pouca idade, mudámo-nos para Évora.
Por aí estivemos até aos meus seis anos. Por esta altura o meu pai faleceu e,
sendo eu o mais velho dos irmãos, fui pouco depois “convocado” para me
apresentar ao trabalho. Comecei com sete anos a guardar porcos na Herdade das
Cabanas, ganhando vinte cinco tostões por dia (um cêntimo vírgula vinte cinco
nos dias de hoje), secos, isto é, sem direito a alimentação. Fui mantendo este
estatuto até aos dez anos, altura em que, no mesmo local, já guardava, para
além de porcos, também ovelhas, cabras e o que calhava. Passsei a ganhar 1
escudo (dez tostões) por dia, acrescido de 1 litro de azeite e 30 kg. de
farinha por mês. E trabalhava do nascer ao pôr do sol.”
E
a escola ?
“Nem
vê-la. Por conta de outro patrão continuei, isso sim, na escola da vida, então
na Herdade das Pereiras, na mesma actividade, ganhando agora os mesmos dez
tostões por dia e mais o almoço (antes do nascer do sol), o jantar (a meio da
tarde) e a ceia (às sete ou oito horas da tarde). Entretanto, a Herdade das
Pereiras mudou de donos, para a família Freixo. Mas eu continuei lá, embora com
outros encargos. Deixei de trabalhar com o gado e passei a executar outras
tarefas. Aqui, e tinha agora 15/16 anos, já ganhava sessenta escudos por mês
(trinta cêntimos actuais) mais 2 litros de azeite e 35 quilos de farinha.”
E
foi ficando por estas paragens ?
“Não.
De seguida fui para o Freixial, que pegava com o Cromeleque dos Almendres.
Tratava dos cavalos, amansava-os e preparava-os para as provas de hipismo.
Ganhava 10 escudos por dia (cinco cêntimos de euro) e de comer.
E
por aí ficou ?
Não.
Com cerca de dezoito anos mudei novamente de emprego. Trabalhava para vários
patrões nos mais diversos serviços: limpava árvores, podava, tirava cortiça e,
enfim, ia fazendo todo o género de tarefas agrícolas. Nesta altura a jorna
situava-se entre os dezassete e os dezoito escudos por dia (oito cêntimos e
meio/nove cêntimos) Sem mais nada.
Mas,
entretanto, outras coisas se foram passando na sua vida.
“Em
1954 fui pela primeira vez às “sortes”, isto é, à inspecção militar. E digo da
primeira vez porque, tendo então ficado “adiado”, tive de lá voltar no ano
seguinte. E fiquei “apurado”. Assentei praça em Tomar, mas um mês depois fiquei
livre “ao número”. Isto acontecia quando a quantidade de recrutas era superior
ao pretendido. Então, faziam um sorteio para mandarem para casa os que tinham a
sorte de sair na “rifa”.
Mas
certamente que a sua vida não foi só de trabalho. Com certeza que também teve
as suas horas livres. Como é que as aproveitava?
“Claro
que na minha mocidade tive vários namoricos. E fiz bem a minha obrigação. Se
não me falha a memória, foram catorze as moças que eu namorisquei. Até conhecer
a décima quinta, com quem acabei por casar. A Maria Luísa tinha catorze anos
quando começámos a namorar e dezoito meses depois já estávamos casados. Eu
tinha 25 anos. Fomos então morar para a Boa Fé, em cuja Igreja foi oficializada,
há 56 anos, a união com a ainda minha esposa Maria Luísa Cunha Pinheiro. Deste
enlace nasceu há 54 anos o nosso único filho – Ricardo José Pinheiro Camisola.
Com
a vida de casado, muita coisa mudou …
“Nalgumas
coisas, sim. Ainda a morar na Boa Fé, continuámos os dois a trabalhar no campo.
Porém, a dada altura, consegui emprego na firma Silva Borges, Limitada, aqui em
Montemor. Era uma grande empresa, onde praticamente fiz de tudo. Cortei muitos
milhares de pinheiros por todo o país. Só no Algarve estive cinco anos. Era
muito amigo de toda a família. Ali trabalhei até aos setenta anos, idade com
que me reformei.”
Mas
continuava a residir na Boa Fé ?
“Não.
Em 1977 mudei a minha residência para Montemor. Tinha comprado, nos Foros da
Rosenta, um terreno, com pouco mais de um hectare, e ali construí a minha casa.”
Problemas
de saúde obrigaram o casal Camisola a recorrer aos serviços do Abrigo, onde
estão ambos, no “Centro de Dia”, desde 1 de Setembro passado. Como se deduz do
que nos disse anteriormente, nunca frequentou a escola e não sabe ler nem
escrever. Todavia, como nos confessou, no trabalho costumavam dizer que ele era
um autêntico computador…
No
seu dia-a-dia frequentam o ginásio, vão vendo televisão quando o assunto lhes
interessa, conversam e o sr. Custódio prometeu ir inscrever-se para começar a
frequentar, aqui mesmo no Abrigo, as aulas de alfabetização. Em frente, Amigo!