EULÁLIA RITA
Logo no começo da nossa conversa, a D. Eulália fez-nos
perceber que a sua vida sempre tinha decorrido com a normalidade possível e que
não tinha episódios interessantes para nos contar.
No entanto, prontificou-se a fornecer-nos os elementos
principais que caracterizaram a sua história, umas vezes mais felizes, outras
nem tanto como, aliás, acontece com toda a gente.
“Nasci há 81 anos no Monte Verdugos de Cima, no concelho de Coruche.
Éramos cinco irmãs, resultado da procura de um rapaz que nunca chegou a
aparecer. Teria uns cinco anos mudámo-nos para um outro monte perto do local do
nascimento, de nome Verdugos de Baixo. Dali fomos para o monte de Pensalinhos,
no mesmo concelho.”
Era, então, a altura de ir para a Escola…
“Não foi assim. Nunca frequentei a escola. Das cinco irmãs, apenas as
duas mais novas souberam o que isso era. Comecei foi cedo a trabalhar. A minha
primeira tarefa foi arrancar sargaços, limpando os terrenos para se poderem
cultivar. Depois fui cavar para uma vinha e daí entrei na rotina habitual,
ceifando e fazendo os mais diversos trabalhos agrícolas. Por esta altura morava
então no monte da Areia, ainda naquele concelho.”
E ainda ficou por aí durante muito
tempo ?
“Já com 18 anos, fomos para o monte de Pensais, onde comecei a namorar
o que ainda hoje é o meu marido. Como também era usual nesse tempo,
conhecemo-nos no trabalho e, como era meu vizinho, o namoro surgiu
naturalmente.”
E algum tempo depois aconteceu o casamento
…
“Eu já com 22 anos e o Florindo com 30, juntámos os trapinhos e só
quando o meu filho foi baptizado é que oficializámos o casamento. Continuámos a
residir em “Pensais”, lugarejo onde morava muita família. O meu marido chama-se
Florindo Pereira Nunes e tivemos dois filhos: o Fernando que nasceu há 57 anos
e a Rosa dois anos depois.”
E continuaram a ter as mesmas
ocupações ?
“Claro. O casamento não alterou a vida de trabalho que sempre levámos.
Aliás, como já disse, a minha vida decorreu sempre calma e sem grandes motivos
que mereçam ser contados”.
Finalmente …
“Morávamos em Benalfange quando nos reformámos. O meu marido já tinha
problemas na vista para os quais, segundo os médicos que então consultámos, não
havia solução nem sequer através de cirurgia. Com o tempo a doença foi-se
agravando até que perdeu a visão. Foi este o motivo por que teve de vir para o
Abrigo como residente. Nessa altura fui morar com a minha filha, que reside
aqui em Montemor, e para estar perto do meu marido, que necessita de cuidados
constantes, também aqui ingressei mas como utente do “Centro de Dia”.
E como vai passando os seus dias ?
“Triste, sobretudo por ver o meu marido naquela situação. De qualquer
modo, frequentamos os dois o ginásio e passamos os dias a conversar, quando
para isso temos vontade. Eu vejo televisão mas também com pouca frequência. Por
outro lado, e porque não sei ler, não posso entreter-me com jornais, revistas
ou livros. A funcionária Maria do Céu, com toda a sua boa vontade, vai tentando
ensinar-nos as letras mas, por isto ou por aquilo, falto muitas vezes e não
tenho aproveitado."
Mas o Abrigo promove outras
iniciativas de que os utentes podem usufruir. Não as aproveita ?
“Eu estou cá há pouco tempo e, portanto, este ano deixei passar algumas
oportunidades. De qualquer modo, como o meu marido não vê praticamente nada, eu
também não tenho vontade de ir, até porque ele necessita de constante
assistência.”
Obrigado, D. Eulália, por nos ter
dispensado algum do seu tempo.