FILIPE SILVESTRE NETO
Com 91 anos feitos
em Maio, o nosso entrevistado goza de boa disposição, que facilmente transmite,
e possui uma excelente memória.
“Nasci no Monte da Figueira, perto de S. Mateus, numa
família de 11 filhos, 3 raparigas e 8 rapazes. Veja, portanto, a balbúrdia que,
com tanta gente miúda, havia naquela casa.”
E residiram sempre
no mesmo sítio ?
“Não.
Como o meu pai era ganadeiro, nas casas agrícolas de João Manuel Malta, António
Lopes de Andrade e de Florêncio Alfacinha, percorremos e estacionámos em vários
montes, dentro e fora do concelho de Montemor.”
E a escola ?
“O
que é isso? Na altura não havia tempo nem condições para nos darmos a esse
luxo. Portanto, logo aos sete anos comecei como ajuda de gado, na companhia do
meu pai, na herdade do Picote. E ainda hoje apenas leio e conheço as letras de
forma e até sei juntá-las, mas escrever … nem sequer o meu nome.”
E esclarece:
“Com
15 anos comecei a fazer outras tarefas, mas sempre ligado à actividade do
campo, onde fiz praticamente todos os trabalhos. Alguns anos mais tarde foi
chegada a altura de começar a namorar. Não fui muito namoradeiro porque cedo
conheci a rapariga – de seu nome Gertrudes Maria Saúde - que haveria de ser
minha mulher durante mais de sessenta anos. Para quê andar a fazer outras
perder tempo se eu já sabia que era aquela que eu queria ?”.
Tendo chegado a
essa conclusão, o casamento era inevitável …
“Casei
com 26 anos. Fomos então morar para os Castelos, que pertence à freguesia de S.
Sebastião da Giesteira. Trabalhava ali pelas redondezas, fazendo de tudo o que
me ia aparecendo e a minha mulher, igualmente filha de ganadeiro, também trabalhava
no campo.”
E vieram os
filhos, como era de esperar:
“Exactamente.
O primeiro, o José Filipe, apareceu quatro meses depois do casamento, o que o
levava mais tarde, por graça, a dizer aos colegas de trabalho que o poupassem
porque ele tinha nascido antes do tempo. Anos depois apareceu o segundo filho,
o Francisco, que entretanto já me deram dois netos cada um.”
E mantiveram-se
sempre ali pelos Castelos ?
“Não,
ainda passámos por outros locais. Dali fomos para a Cravosa até chegarmos à
Quinta de Dom Francisco, que era onde vivíamos antes de ingressarmos no Abrigo.
Mas quero ainda dizer que o meu filho mais velho, que já está reformado, era
Sargento da Marinha e vive em Cruz de Pau, mais propriamente nas Paivas. Quanto
ao filho mais novo é, desde há alguns anos, vendedor da Nigel e era com ele que
eu saía quase todas as semanas. Lembro-me, até, que na última vez que o
acompanhei comemos um belo arroz de tamboril em Ponte de Sor. Isto pouco tempo
antes de termos vindo para o Abrigo, em Maio de 2012.
Ainda que
conhecesse as várias tarefas do mundo rural, diz-nos que tinha particular interesse
pela carvoaria, tendo chegado a tirar um curso relacionado com a limpeza de
árvores, a fim de poder desenvolver com mais conhecimentos aquela actividade.
“É
verdade, sim senhor. Comecei até a encarar de outra forma a vida das plantas.
Fiquei a saber, por exemplo, que a cor verde das folhas é devida à função
clorofilina e que as plantas libertam oxigénio e absorvem o anidrido carbónico,
pelo que são muito úteis para todos nós. A partir de então fiquei a olhar com
mais respeito para as árvores.”
Mas o sr. Neto
ainda quis falar, se bem que de um modo muito resumido, sobre a forma como se
preparava uma carvoaria:
“No
local escolhido para o efeito colocam-se primeiro as “repas”, que são as raízes
das árvores. Sobre estas vai-se colocando a lenha mais miúda, com o cuidado de
deixar as “goteiras”, que são praticamente túneis para o lume poder respirar. A
envolver tudo aquilo ainda se coloca palha, que tem sobretudo a função de
isolar a lenha da terra com que se cobre o monte. E por uma porta que se deixou
aberta atiça-se então o fogo. De qualquer modo, há sempre que manter vigilância
para se poder verificar se tudo está normal. Até se retirar o carvão, a
combustão dura um mês ou mais, dependendo do tipo de lenha que se utilizou.”
Era, com certeza,
um trabalho muito difícil e penoso.
“Nesses
tempos era tudo feito à força de braços, desde o “terrar” os fornos até, mais
tarde, se irem “desenlevar”, que significava tirar a terra e abrir os fornos,
ainda o carvão estava em brasa. Este trabalho era muito custoso de suportar.
Hoje, felizmente, já há máquinas para se fazer praticamente tudo isto.”
Tendo perdido a
mulher há cerca de dois anos, o sr. Neto ficou mais sozinho. Como passa o
tempo?
“Para
além das horas em que sentimos mais a solidão, passo os dias na conversa com os
meus colegas, assisto às actividades que aqui se vão fazendo, jogo às cartas e
vou por vezes aos passeios organizados pela Instituição. E assim vou passando
os dias. Até um dia.”
Foi um prazer
falar consigo, sr. Neto.