ANTÓNIO
HENRIQUE FIALHO
Com a experiência que os seus 92 anos lhe conferem, o
nosso entrevistado deste mês não se fez rogado e contou algumas das inúmeras
recordações que lhe povoam a excelente memória.
“Chamo-me
António Henrique Fialho e nasci nos Foros de Corte Pereiro, mesmo junto à mina
de carvão de pedra. Sou o mais velho de quatro irmãos, dos quais só restamos eu
e uma rapariga. Com sete anos, fomos morar para o Monte da Lezíria e já teria
uma dúzia deles quando nos mudámos para perto dos Foros de Vale Figueira, num
monte que se chamava exactamente Monte Vale de Figueira de Baixo e depois fomos
para o Freixo de Baixo.”
E no meio de tudo
isso, onde entrou a Escola?
“A vida naquela altura era muito difícil e a
ida à escola nem era assunto de que se falasse. O meu pai era ganadeiro e eu
comecei aos sete anos como ajuda de guardador de porcos. E até aos catorze
reparti a minha actividade entre porcos e ovelhas.”
E mantiveram-se
naquela zona durante muito tempo?
“Na mesma área sim, mas noutros locais.
Estivemos a seguir no Monte do Sapateiro e depois no Monte da Amendoeira. Estas
transferências frequentes deviam-se ao facto da profissão do meu pai, por
motivos diversos, provocar mudanças de patrão e, portanto, de locais de
trabalho e residências. Com uns quinze anos passei de ajuda de gado a exercer
actividades mais ligadas à agricultura: lavrava com uma junta de bois, ceifava,
fui carvoeiro e pratiquei os mais diversos trabalhos no campo. E foram estas as
funções que exerci praticamente até me reformar.”
Como é normal, estava chegado o
momento de começarem os namoricos…
“Comecei cedo a namorar. Havia poucas
distracções e então aconteciam os namoricos, combinados sobretudo nos bailes,
ou funções, que se realizavam um pouco por todo o lado. Mas também, com o
primeiro namoro, surgiu-me o meu primeiro grande problema.”
Quer contar?
“Comecei a namorar uma rapariga que era,
sobretudo, muito do agrado dos meus pais. Porém, e como acontece muitas vezes
naquelas idades, embeicei-me por outra moça. E o resultado não podia ser pior.
O meu pai, sabendo disso, chamou-me “à pedra” e perguntou-me se, afinal, eu
pensava casar com a primeira namorada ou se preferia esta segunda. Eu sempre
respeitei muito o meu pai, mas respondi-lhe que, sinceramente, ainda não me
tinha decidido a escolher a minha futura companheira.”
E como reagiu então o seu pai?
“Da pior forma possível. O meu pai, vendo
que eu não estava disposto a fazer-lhe a vontade, disse-me: então, vai a casa
buscar os teus pertences e procura outro lugar para viver. Conclusão: pôs-me
fora de casa paterna apenas por eu não lhe garantir que casava com a rapariga
que eles escolhiam.”
Ficou com um enorme problema para
resolver…
“Por acaso não foi tão grande como poderia
esperar. É que, por essa altura, eu já namorava uma terceira, a quem contei o
sucedido. Por acaso, ou não, o pai dela ouviu e, provavelmente na esperança de
eu vir a casar com a filha, ofereceu-me a sua própria casa para eu lá viver.
Claro que não dormia com ela, mas encarregaram-se de me dar guarida e de me
tratarem da roupa. Tudo isto aconteceu no Monte da Amendoeira, numa casa muito
próxima da de meus pais. Tempo depois, esta família deslocou-se para o Barrocal
dos Ricos e para o Monte do Casão e eu sempre com eles.”
E qual foi o desfecho desta aventura?
“Nestas condições estivemos uns anos. Mas em
determinada altura as coisas entre nós começaram a não andar bem e eu cheguei à
conclusão que ainda não era aquela que me levaria ao altar.”
E como eram as relações com o seu
pai?
“Ainda no Barrocal, um dia o meu pai foi ter
comigo e disse-me para eu voltar para casa. Que já tinham passado três ou
quatro anos desde que me tinha convidado a sair e era altura de regressar. Eu
respondi-lhe que não voltava, porque se me tinha posto fora era porque não me
queria lá. Sempre que se proporcionava, eu falava naturalmente com o meu pai,
como se nada se tivesse passado. Continuei a respeitá-lo, a pedir-lhe a bênção
como era usual nesse tempo, mas nunca mais voltei à casa paterna.”
Não deve ter sido fácil lidar com todas estas situações…
“Quando tinha trinta anos cheguei à
conclusão de que era chegada a altura de normalizar a minha vida. Fui procurar
a mulher que ainda hoje é a minha esposa e companheira. Com a decisão tomada,
saí de casa e juntei-me com a Ermelinda.”
Mas é claro que teve de procurar
outro abrigo.
“Já juntos, fomos morar para um monte que
era do Manuel Marmeleira. Era uma casita muito modesta, que nem tinha mobílias,
nem nós dinheiro para as comprar. Aquilo era só para não estarmos na rua.
Naquele tempo, e como se dizia, era “chapa batida, chapa lambida”, o que
significava que dinheiro era ganhá-lo e gastá-lo. Vi-me então na necessidade de
ir ter com o meu pai e pedir-lhe que me emprestasse o dinheiro necessário para
comprar as coisas mais essenciais. Ele disse-me que sim, mas sempre realçando
que se tratava de um empréstimo e não de uma oferta, pelo que teria de pagar
quando pudesse. Foi buscar setecentos escudos (hoje três euros e cinquenta
cêntimos) com os quais comprei uma cama, uma mesa e quatro cadeiras. E logo que
me foi possível saldei a dívida como, aliás, era a minha obrigação. Já, então,
vivia noutra casa.”
E a relação com o seu pai continuou
na mesma?
“Anos mais tarde, já a minha mãe tinha falecido,
o meu pai ia visitar-me a minha casa, porque vivíamos perto. E eu nunca deixei
de me dar com ele e continuava a respeitá-lo e acolhia-o como se nada tivesse
acontecido.”
E o tempo foi passando…
“Com quarenta anos, casado e já com os meus
dois filhos – o Joaquim António, hoje com 57 anos, e a Ana de Jesus com 54 –
emigrei para a Suiça, onde me mantive durante 9 anos. A minha mulher só lá
esteve comigo cerca de um ano. Passada essa fase voltámos os dois ao trabalho
agrícola mas, com o dinheiro que amealhei como emigrante, construi uma casa nos
Foros de Vale de Figueira, que tive de acabar por vender devido à grave doença
da minha mulher que, na altura, ainda esteve cerca de um ano no Lar da Quinta
da Ponte.”
Até que aconteceu a vinda para o
Abrigo.
“Com a doença da minha mulher e a minha
idade já avançada, que não me permite deslocar sem o auxílio de canadianas,
pedimos para sermos recebidos como residentes aqui no Abrigo. Todavia, foi-nos
dito que, apesar de toda a boa vontade, não era possível atender este pedido
porque não havia vagas. E nós compreendemos a situação. No entanto, foi-nos
oferecida a hipótese de frequentarmos o “Centro de Dia”, que aceitámos porque a
nossa filha, que reside em Montemor, se disponibilizou para irmos dormir a sua
casa. Mas, claro, estamos sempre na esperança de, um dia, conseguirmos a vaga
que até hoje tem faltado.”
Agradecemos ao Sr. Fialho a
disponibilidade para mantermos esta conversa e desejamos que os seus desejos se
realizem logo que possível.