Os nossos utentes
CUSTÓDIA MARIA (Flamina)
“Nasci em
Montemor e aqui, ou nos seus arredores, sempre vivi. Sou viúva há cerca de onze
anos de Jerónimo José Albino e tenho dois filhos – Filipe Albino e Francisco
Albino.”
Mas vamos
começar pelo princípio.
“Éramos doze
irmãos e eu era uma das do meio. Com tanta gente, a vida não era fácil e, a
exemplo dos meus irmãos mais velhos, cedo comecei a contribuir com o que estava
ao meu alcance para o sustento da família. Com 4 anos já ia para a “bicha” do
pão, cuja venda era regulada por senhas. Como éramos muitos, outros dos meus
irmãos também para lá iam porque só um pão não chegava para toda a família. E
assim tentávamos nós, todas as semanas, arranjar o que era o nosso principal
alimento.”
Mas não podiam
viver só com o pão …
“O meu pai, nos
seus tempos livres, que eram poucos, fazia umas hortazitas de onde tirava umas
hortaliças que ajudavam a alimentar o pessoal. E à medida que íamos crescendo,
já o trabalho esperava por nós. Com pouca idade começávamos logo a labutar.
Apanhar azeitona foi a minha estreia e nunca mais parei. Fiz praticamente tudo
o que era trabalho no campo.”
Os anos foram
correndo e …
“Apesar de ser
muito cortejada, logo aos 14 anos comecei a namorar aquele que haveria de ser o
meu marido. Tive muitos pretendentes, mas havia alguns “fadistões” que quando
se apercebiam, ou que eu já entregara o meu coração, ou quando vinham a saber
que nós éramos muito pobres, depressa desistiam. E quando tinha 24 anos
casámos.”
Casamento, vida
nova…
“Fomos morar
para casa dos meus sogros e por lá estivemos mesmo depois de ter nascido o
nosso primeiro filho. Entretanto, passado algum tempo o meu sogro mandou
arranjar uma casa desabitada que havia perto deles e, então, mudámo-nos. Foi já
aqui que nasceu o nosso segundo filho, tendo, inclusivamente, sido a minha
sogra que me acudiu e serviu de parteira.”
Mas não ficaram
por ali.
“Em determinada
altura fomos morar para o Monte do “Esbarrondadouro”, ali perto de Évora,
propriedade do lavrador Manuel Dias Descalço, onde o meu marido era moiral das
parelhas. E dessa vez não
estivemos lá muito tempo porque em dado momento houve uma greve e o patrão despediu todos os grevistas, onde se incluía o meu
marido.”
E ficaram
desamparados…
“Não, porque
aconteceu uma coisa curiosa. O castigo aplicou-se apenas naquela herdade, tendo
o patrão passado todos os trabalhadores nessa situação para uma outra
propriedade no Monte dos Álamos, que distava bastante do anterior local de
trabalho. Mas eu fiquei a morar na mesma residência, sendo que o meu marido só
ia a casa semanalmente.”
E assim
continuou?
“Passado algum
tempo o patrão mandou-o chamar e disse-lhe que o castigo tinha terminado, pelo
que iria voltar para o “Esbarrondadouro”. E foi aqui que teve o acidente com a
parelha que lhe fracturou uma perna, inutilizando-o para o serviço. E, como
resultado, foi despedido sem receber qualquer indemnização porque o patrão não
tinha ninguém no seguro.”
Foi um golpe
muito duro…
“Se foi.
Especialmente para ele. Dali fomos para o Monte da Alcava de Cima, perto de
Santa Sofia. Impedido de fazer o seu habitual trabalho, começou a vender peixe
pelos montes. Um dia, teria ele cerca de setenta anos, teve inesperadamente um
AVC. Estava sentado num pequeno muro, deu-lhe o ataque e caiu para o lado, já
morto. Este, sim, foi o golpe mais duro na minha vida.”
E depois?
“Já viúva, tive
de continuar a trabalhar no campo, já para lá dos setenta anos, para garantir o
meu sustento. Morando já aqui em Montemor, ao fundo da Rua das Piçarras, tive a
ajuda da minha neta, Márcia Cristina, que me conseguiu arranjar esta solução de
vir para o Centro de Dia do Abrigo, onde me encontro desde o passado mês de
Março.”
Obrigado pela
sua atenção, D. Custódia. Gostámos de falar consigo.