NORBERTO
FELICIANO SOARES
Nasceu
em S. Cristóvão, mas está radicado em Montemor há muitos anos. Figura estimada
e bem conhecida, está no Abrigo como residente desde 2016 e sente-se atraiçoado
pela doença, que lhe afecta um dos seus principais instrumentos de trabalho: os
olhos. Mas vamos ouvir o que tem para
nos dizer:
“Viúvo,
há já uns anos, de Margarida Maria, sou natural de S. Cristóvão, onde nasci em
1924, e sou o mais velho de cinco irmãos, felizmente ainda todos entre nós.
Frequentei a escola primária até à 3ª classe e tive como mestre o então bem
conhecido Prof. Arantes. Acabei por concluir e fazer exame da 4ª classe já na
tropa.”
Mas
por que motivo interrompeu os estudos?
“Eu
não gostava muito de andar à escola mas, sobretudo, tinha uma grande paixão
pelos relógios. O meu pai era relojoeiro, para além de ter também uma
barbearia. A perspectiva de vir a ser barbeiro não me agradava mas, por outro
lado, era a magia dos mecanismos dos relógios que me seduziam. E, começando
pelos despertadores, cedo me iniciei a desmanchá-los, a tentar compreender o
seu interior e, inclusivamente, a desenhar e a anotar em papéis as suas
componentes e locais onde as várias peças encaixavam.”
E foi isso que sempre fez?
“Até
ir para a tropa trabalhei e aprendi com o meu pai os segredos desta arte. E
quando regressei, terminada aquela obrigação, montei a minha própria oficina.
Nessa altura, S. Cristóvão tinha grande população, até pelos muitos
trabalhadores que ali laboravam nas minas. E em todos os foros vizinhos viviam
muitas famílias. Havia uma grande movimentação e fazia-se negócio.”
Até agora ainda não se referiu à fase da
sua juventude…
“Então lá vai.
Tinha 16 anos quando comecei a namorar a Margarida, então com 13 anitos. Tive
mais namoradas, mas era desta que eu gostava. Com 22 anos, com a tropa
resolvida, resolvemos casar. E tivemos dois filhos: a Maria Virgínia e o
António Luís.”
Mas em determinada altura resolveu
instalar-se em Montemor e abrir uma ourivesaria e relojoaria.
“Exactamente, ali na rua 5 de Outubro, e
já lá vão uns bons anos. O estabelecimento, no entanto, ainda existe, agora com
gestão do meu filho. E vim para Montemor porque, entretanto, em S. Cristóvão
foram encerrando as minas de carvão, o pessoal começou a sair e o negócio foi
enfraquecendo. Mas já gora, e voltando atrás, quero falar mais um pouco da minha
juventude. É que a memória já não é o que era e as coisas vão aparecendo aos
poucos. É de noite que muitas vezes vou recordando factos antigos. Mas
lembrei-me neste momento de um pormenor curioso e que nunca mais esqueci. Eu em
novo era um doido por bailes. Dançava do princípio ao fim. De tal forma que,
por vezes, até a minha namorada me pedia para lhe dar sossego, dizendo: Ó
Norberto vai buscar outras, porque já me doem as pernas e eu preciso de
descansar… A minha mulher era excepcional. Para além de excelente costureira
era igualmente uma óptima cozinheira. Até o aroma de uma simples açorda era
reconhecido e admirado pela vizinhança…”