PERPÉTUA MARIA SAIOTE PEREIRA
Considera
que o Pai foi um homem com ideias avançadas para a sua época, tendo
especialmente em conta a forma como era comum naquele tempo, e especialmente
nas zonas rurais, por questões económicas e outras, não se considerar como
necessária a frequência escolar, sobretudo para as raparigas. E inicia a sua
história:
“Nasci
no dia 24 de Abril de 1939 no Monte da Gamela, numa família de nove irmãos. O
meu pai era o responsável, feitor ou como lhe queiramos chamar, da herdade com
o mesmo nome, pertencente à família Alves.”
E como era então
a vossa vida?
“Como
a minha mãe não podia ir para a jorna, uma vez que tinha uma enorme casa de
família para governar, ia sempre que possível para um pedaço de terra, que nos
era cedido pelo patrão, apanhar azeitona de um pequeno olival onde os filhos
também ajudavam na proporção das suas capacidades. Dali tirávamos o azeite com
que nos íamos governando o ano inteiro.”
Mas não era só
com esse rendimento que se governavam…
“O
meu pai era aquilo a que se chamava concertado, isto é, não auferia qualquer
ordenado. A sua remuneração traduzia-se na concessão anual de um povilhal (ou
pegulhal) de cinco porcos e mais dez sacos de farinha, com a qual fazíamos o
pão. Para além disso, como tínhamos uma hortazita, dali tirávamos as hortaliças
para a alimentação. Íamos aviar-nos a uma mercearia do sr. António Mira, no
Monte das Caeiras. Trazíamos poucas porções de cada vez, fiadas, e quando o meu
pai vendia uns ovos, a criação ou qualquer outro produto produzido na horta, ia
satisfazer as suas dívidas.”
Falou há
momentos do seu pai e do que ainda hoje pensa dele. Quer especificar?
“Só
mais tarde me apercebi que realmente o meu pai tinha umas ideias que naquele
tempo não eram comuns. Sempre quis que os filhos tivessem instrução. Então,
pensou criar para todas as crianças daquela zona um local que pudesse ser
adaptado a escola. Ali perto, em Rio Mourinho havia uma casa que estava
devoluta e, não sei como, conseguiu transformá-la em sala de aulas. Também
ainda hoje não sei por que artes, arranjou carteiras, secretária para professora
e o quadro preto. Chegaram a frequentar a improvisada escola mais de duas dezenas
de crianças. E não iam mais porque, como se sabe, havia ainda quem pensasse que
saber ler não fazia falta a ninguém. Todos os meus irmãos andaram na escola,
com excepção dos dois mais velhos que só aprenderam a ler e a escrever já
depois de adultos. Era nossa professora a D. Maria Cristina Simão, filha de um
GNR e que vivia em Montemor na Rua de Aviz.”
E até onde
chegaram os seus estudos?
“Fiz
apenas a 3ª classe porque, entretanto, tinha chegado a altura de começar a
trabalhar. E a partir dos 12/13 anos iniciei-me nos trabalhos agrícolas, que só
terminei com a reforma.”
E como viveu a
sua juventude?
“Na
Gamela havia um celeiro, espaçoso, onde nos era permitido fazer bailes nos dias
tradicionais, ainda que sob a vigilância do meu pai, que ao menor sinal de
desordem ou brincadeira exagerada acabava com a função. Divertíamo-nos mas com
regras. E juntávamos ali muita juventude, com harmónios, concertinas e
alegria.”
Foi também a
altura de começar o namorico…
“Com
cerca de vinte anos comecei a receber umas cartas de um rapaz que era meu
companheiro de trabalho. Abria, lia e guardava, mas sem lhe responder. Havia um
motivo forte para eu proceder assim aos seus apelos românticos. É que a minha
mãe tinha falecido e eu, como a mais velha ainda solteira, tive de me dedicar à
casa, ao meu pai e aos meus irmãos mais novos.”
Mas essa
situação acabou por se resolver…
“Um
dia, vinha eu com a minha irmã mais nova, encontrei o tal rapaz, de nome
Marcelino Joaquim Pereira. Falámos, eu voltei a explicar-lhe que não podia
abandonar o meu pai e os meus irmãos. Nesse dia ficámos por ali mas, mais
tarde, tinha eu 34 anos, acabámos por nos juntar e vir morar para o mesmo monte
dos meus sogros. Mas o meu pai não via com bons olhos o facto de eu não estar
oficialmente casada. E um dia disse-me que gostava de ver a situação legalizada
e que seria ele próprio o padrinho do casamento. E assim foi.
E assim se iam
passando os dias, semanas, meses …
“Por
esta altura já só estava em casa, solteira, a minha irmã mais nova que ficou a
viver com o meu pai. No entanto, rara era a semana em que eu não os ia visitar.
Mas o meu pai faleceu e a minha irmã, que ainda viveu comigo uns meses, acabou
também por casar.”
Estávamos a
chegar ao fim da nossa conversa, mas ainda assim a D. Perpétua acrescentou:
“Já
casada, continuámos os dois a trabalhar, mais ou menos sempre juntos, cada qual
na sua tarefa, já se vê. E os anos foram passando e eles por nós. Já
reformados, viemos viver para uma quintinha, à Saúde, mesmo junto a Montemor.
Mas a idade não perdoa e os problemas de saúde começaram a manifestar-se mais
duramente. Primeiro, em 2011, começámos a usufruir do “Apoio Domiciliário” por
parte do Abrigo, até que em Agosto deste ano de 2018 entrámos como residentes.”
E como vai
passando os seus dias?
Para
além do tempo em que estou com o meu marido, tenho a sorte de ter vindo
encontrar aqui muitas pessoas minhas conhecidas, com algumas das quais até
trabalhei, pelo que vou falando com esta e com aquela, o que me permite ocupar
o tempo. E quando tiver as minhas coisas todas arrumadas vou começar a
frequentar o ginásio. E depois logo se vê.”
D. Perpétua, que
se vá sentindo bem junto do seu Marcelino, são os nossos melhores votos.