MANUEL DOMINGOS
DA SILVA
Com o Natal à porta e a
dois passos do novo ano, estivemos à conversa com o nosso Amigo e conhecido de
há muitos anos sr. Manuel Domingos da Silva, com 83 outonos celebrados em
Novembro passado.
“Nasci na Quinta da Terrinha,
perto das Silveiras. Éramos três irmãos, dos quais eu era o do meio. O mais
velho, o Virgílio, já faleceu e o mais novo, o Josué Nicolau, felizmente ainda
está entre nós e vive em Grândola.”
Como foi a vossa
infância?
“Felizmente que sem grandes
problemas. O meu pai era hortelão no Vidigal, da família Reis Malta, ainda que
antes tivesse aprendido e executado todos os trabalhos ligados à lavoura. Todos
nós andámos à escola. Enquanto crianças, os dois mais velhos completaram a 3ª
classe da instrução primária, e só já em adultos fizeram o exame da 4ª classe.
Apenas o mais novo atingiu o mesmo grau ainda na idade escolar.”
E depois da
escola?
“Com onze anos, morando já no
Vidigal, iniciei-me a guardar porcos, como ajuda do meu pai. E depois foram as
ovelhas e o gado vacum. Mais tarde, e como então se dizia, comecei na “trincha”
dos bois, isto é, a trabalhar com eles. Tinha a meu cargo uma junta destes animais,
com que charruava, lavrava e “arrojava” a terra, para que esta ficasse plana a
fim de receber a semente do cereal.”
E qual foi,
então a fase seguinte?
“Bem, como era de calcular,
chegou a altura de ir “às sortes”, isto é, à inspecção militar. Lá fui, e no
fim disseram-me que ficava “de espera” para verem se eu desenvolvia o físico.
E, na verdade, no ano seguinte verificaram que eu tinha ganho mais dois quilos,
pelo que fiquei apurado para todo o serviço militar.”
E em que unidade
foi cumprir essa obrigação?
“Espere, porque a história ainda
não terminou. Quando chegou o dia em que se ia à Câmara saber a data e a
localidade onde cada rapaz ia assentar praça, soube que tinha ficado na
situação a que se chamava “livre aos editais”. Só não me livrei, claro está, de
pagar durante vários anos a taxa militar, que era devida por quem, na
inspecção, tinha ficado livre de ir à tropa.
E depois?
“Ainda continuei a trabalhar no
Vidigal mas, a partir daí, a executar os restantes serviços do campo: ceifar,
gadanhar, varejar, tirar cortiça e, enfim, tudo o resto que compete à arte.”
Ainda não nos
falou do seu lado romântico e namoradeiro…
“Na idade própria tive os meus
namoricos, normalmente arranjados nas folgas do trabalho ou nos muitos bailes
que havia com frequência nos montes próximos. E foi assim que, com 27 anos,
casei com a Rosalina Maria Nabo, com quem, graças a Deus, ainda vivo e sou
feliz. Temos apenas uma filha – a Guida – e um neto – o João Carlos.”
E ficaram a
residir também no Vidigal?
“Não. Após o casamento fomos
residir para uma casita da herdade de Casa Branca, da mesma família Reis Malta.
Estivemos lá cerca de dois anos. Depois passámos para o monte do Reguinguete,
junto à Adua. E por aí fomos trabalhando os dois nos serviços agrícolas. Passados
mais dois anos transferimo-nos para o monte da Cabouqueira, já mais perto de
Montemor. Aqui cumprimos mais uma vez os habituais dois anos e nasceu a
Margarida. Passámos então para a Courela do Teias, aqui já durante quatro anos.
Finalmente chegámos mesmo a Montemor propriamente dito, ao Bairro da Quinta de
D. Francisco, onde ainda residimos. Todas estas mudanças tinham a ver com o
facto de termos de ir procurando os locais onde havia trabalho. Estive ainda a
trabalhar na Cooperativa Agrícola “Pedras Alvas“ durante cerca de 17 anos.
E o que o levou
a solicitar a ajuda do Abrigo?
“Tive um enfarte e tenho problemas
a nível pulmonar, que me obriga cuidados especiais e à aplicação frequente de
oxigénio. Estive internado no Hospital de Évora, após o que entrei no Lar de
Idosos dos Foros de Vale Figueira onde me mantive durante dois anos. Porém, em
Agosto passado surgiu a oportunidade de entrar no “Centro de Dia” aqui do
Abrigo e eu aproveitei de imediato.
Já no período das
despedidas, o Amigo Manuel revelou-nos que nas suas horas vagas também é poeta.
E dispôs-se a dizer-nos umas décimas, subordinadas a mote. Leiam, por favor:
Mote
Procurei
a paz no mundo,
Tentei
mas não fui capaz
Porque
os interesses do Homem
São
mais fortes do que a Paz.
I III
Segundo se ouve
dizer, As
guerras eliminadas
As guerras são
mesmo assim, E o terrorismo
abatido,
Antes de umas terem
fim O
vandalismo detido
Já outras estão a
nascer. E
outras arestas limadas,
Estamos todos a
sofrer Estas
medidas tomadas
Com este terror
profundo, Talvez
se evitasse a fome.
Destrói-se mais num
segundo Bem
sei que o mundo é enorme
Que se faz paz num
ano inteiro. Mas
conquistava-se a paz
Já disse e sou
verdadeiro: Deixar-se
os ódios p´ra trás
Procurei a paz no mundo. Porque
o interesse é do Homem.
II IV
Se houvesse
alguém com poder, Num
cemitério eu já vi,
Ou varinha de
condão, Onde
passei certo dia,
Que tomasse a
decisão Um
letreiro que dizia
Para tudo se
entender, Não
há paz senão aqui.
O mundo passava
a ter Pois
desta vez esmoreci,
Uma Vitória de
Paz. Que
nada me satisfaz.
Mas sei que
ninguém o faz Do
Homem não ser capaz
Porque a luta
continua, De
unir os povos na Terra
Procurei a paz
na rua, Porque
os interesses da guerra
Tentei mas não fui capaz. São mais fortes do que a Paz.
Parabéns ao seu
talento e obrigado por nos ter contado alguns pormenores da sua vida. Muitas felicidades
para toda a Família.
Queremos, agora, desejar um
FELIZ NATAL e um NOVO ANO com saúde, a todos os Utentes
do Abrigo, aos membros dos Corpos Sociais, Funcionários, Colaboradores,
Voluntários e Leitores, agradecendo a estes a atenção e paciência que nos
dispensaram ao longo do ano. Um obrigado sentido.