FELICIDADE MARIA GIÃO DOS SANTOS
Ano novo, os mesmos objectivos: dar a
conhecer, na medida do possível, as histórias de vida dos nossos utentes. Umas
com mais detalhes, outras nem tanto (o estado das memórias não é todo igual)
mas de qualquer modo estamos em crer que transparecem sempre, por detrás das
rugas de cada rosto, as lutas travadas ao longo da vida de cada um.
Hoje
foi a vez de falarmos com a D. Felicidade
Maria Gião dos Santos, a poucos meses de completar 87 anos e residente no
“Lar” deste Abrigo desde Agosto passado.
Nasci
na Quinta das Valenças. O meu pai foi sempre agricultor e vivemos naquela
quinta, perto do Porto das Lãs, até os filhos serem crescidos. Depois, comprou
a Quinta da Marmeleira, relativamente perto do monte onde nascemos, e para lá
nos deslocámos, como é natural.”
E aí …
“Aí,
o meu pai continuou na mesma labuta, agora já ajudado pelos meus irmãos nas
fainas agrícolas. Quando o meu pai faleceu, teria eu uns 13 anos, andei na
costura, aqui na então vila. A minha irmã ficou em casa a ajudar a minha mãe
nos afazeres domésticos.”
Mas continuavam
a viver na Quinta da Marmeleira?
“A
dada altura o meu irmão Joaquim ficou a explorar essa e a minha mãe ficou com
ele. O Manuel foi para uma courela que o meu pai tinha comprado no Reguengo.”
E a D.
Felicidade onde ficou?
“Acabada
a fase da costura voltei para a companhia da minha mãe e, já em adulta, também
fiz diversos trabalhos agrícolas.”
E como viveu a
sua mocidade?
“Ali
para os lados do Gandum havia bailes com frequência e foi numa dessas
funçanadas que conheci o Manuel António que, num belo dia, me pediu namoro. Mas
não aceitei logo à primeira vista, mas com a continuação acabei por ceder.”
Mas também não
perdeu muito tempo …
“Tinha
então 18 anos quando me casei com o Manuel António Ferreira e desse enlace
nasceu o nosso único filho, o António Manuel Ferreira, já casado e a residir em
Montemor. Voltando atrás no tempo, relembro que após o casamento, fomos morar
para a Quinta do Lobo, que nas partilhas me tinha cabido uma parte e à minha
irmã, na altura também já casada, pertencia a outra parte. E era daqui que
tirávamos a nossa subsistência. Com excepção de três anos em que estivemos em
França e que nos correram bem, ali vivemos praticamente toda a vida.”
Isso significa,
portanto, que nunca tiveram grandes preocupações…
“Sim, é verdade,
tivemos sempre uma vida calma. Sem grandes apoquentações, ainda que, como sabe,
quem vive da agricultura está sempre sujeito às mais diversas contrariedades. É
porque chove demasiado, é porque não chove, enfim, é uma vida ingrata. Mas
quando as coisas corriam de feição, especialmente quando o tempo era favorável
às culturas, conseguíamos tirar dali o nosso sustento. Para além da horta, que
em condições normais produzia o suficiente para irmos vender ao mercado, ainda
tínhamos olival, algumas árvores de fruto e, frequentemente, o meu marido
também fazia searas de trigo, para além de engordarmos os porcos para consumo
próprio.”
Mas tudo isso
teve um fim…
“É verdade, há
pouco mais de um ano tive a infelicidade do meu marido falecer. Ainda vivi na
minha casa durante uns meses até que, especialmente devido a doença, consegui
entrar no Abrigo, onde sou bem tratada e vejo o passar dos dias.”
Obrigado pela
sua paciência, D. Felicidade, e que este ano novo lhe traga mais saúde.