JOÃO
MIGUEL FERREIRA
Completou
92 anos no dia 18 deste mês de Janeiro mas continua com uma memória e um discernimento notáveis.
O
entrevistado que abre a série do presente ano, de nome João Miguel Ferreira,
nasceu no Monte da Torre, perto do Escoural e era um dos nove irmãos (6 rapazes
e 3 raparigas) que os seus pais trouxeram ao mundo.
“Andei à escola no Escoural, tendo completado a 3ª classe. Nesses tempos, não só a instrução não era considerada prioritária como cedo se tinha de começar a contribuir para a economia doméstica. Muito novo, portanto, comecei como ajuda de pastor e depois de vaqueiro.”
E
a actividade desenvolvida ao longo da sua vida esteve sempre ligada ao campo.
“O
meu pai tinha quatro parelhas e trabalhava no Monte da Torre, propriedade de
Joaquim Correia, de Reguengos de Monsaraz. Era então cingeleiro, o que
significava que, em terras do proprietário, comprava as sementes, procedia a
todos os trabalhos inerentes a determinada cultura, suportava as despesas e,
quando se realizava a colheita, um quarto do que rendia destinava-se ao dono da
terra. Claro que havia os maus anos agrícolas em que os resultados eram tão
escassos que o próprio proprietário prescindia da sua parte. Como está bem de
ver, era eu e os meus irmãos que ajudávamos em todas estas lides.”
O
tempo foi passando e chegou a altura de ir para a tropa: “Assentei praça no RI 16, em
Évora. Estive aqui dois anos e ao fim desse tempo paguei dois contos para me
poder vir embora de imediato, procedimento que era normal na época. O problema
surgiu quando, passados cerca de quinze dias, chamaram-me outra vez e fui
mobilizado para os Açores. Protestei e só depois de dar muita volta consegui
que me devolvessem o dinheiro. E pronto, lá parti para os Açores, onde cheguei
à meia noite de um dia de Natal e onde permaneci vinte sete meses. Durante a
minha permanência no arquipélago faleceram cá, primeiro o meu pai e, depois, a
minha mãe.
Já
livre do serviço militar, havia que fazer pela vida:
“Quando
regressei, juntei-me ao meu irmão José Inácio e explorámos as mesmas terras e
nas mesmas condições. Durou dois anos esta sociedade.
Aos
25 anos novo rumo: “É verdade. Foi a altura de dar um grande passo: casei-me com Maria
Luisa Charneca. Fomos morar para umas casas do meu sogro em Goudelim. Depois arrendei
uma fazenda no monte do Almeida, ao pé do Passa-Figo. Morámos lá durante
quarenta e sete anos. Estive sempre ligado à agricultura, quer cultivando quer
alugando e prestando serviços a terceiros com as máquinas agrícolas que fui
adquirindo. Quando já tinha setenta e dois anos vim definitivamente para
Montemor, para uma moradia na Courela da Pedreira.”
Os
anos foram passando e já tinha ultrapassado a ternura dos oitenta quando teve
de dar um novo passo na sua vida: “A
idade, mas sobretudo a doença da minha mulher, foram responsáveis por termos de
recorrer ao “Apoio Domiciliário do Abrigo”. Mas a situação da minha mulher
piorou, a nossa vida complicou-se e ela acabou por ser internada aqui no “Lar”
no dia 10 de Maio de 2012. Infelizmente, faleceu dois dias depois. Hoje, estou
aqui eu, sem a sua companhia.”
Ao
longo de tantos anos, o nosso amigo João Miguel Ferreira teria muitas histórias
para relatar. Quer esquecer as que, por um ou outro motivo, considera menos
agradáveis. Mas fez questão de recordar um episódio que o marcou e uma atitude
que nunca mais esqueceu. E conta:
“Quando
estava no Monte do Almeida, já casado e a trabalhar por conta própria, a
debulha era feita pela empresa Barradas & Barradas, aqui de Montemor. Um dia,
o Sr. José Barradas convidou-me para ir com ele a Évora e, sem me dizer
qualquer coisa, levou-me à firma H. Vaultier, ali na Praça do Giraldo.
Apresentou-me ao gerente, Sr. Machado, e saiu, deixando-nos a conversar. Claro
que eu vi logo o fim em vista. Este senhor começou de imediato uma longa
conversa para me vender um tractor. Eu, na verdade, estava na disposição de o
comprar, mas não estava disposto a ter de apresentar um fiador ou avalista. E
disse-lhe isso mesmo. Se quisesse nessas condições, tudo bem; caso contrário,
nada feito. Disse-lhe ainda que se por acaso eu faltasse com alguma das
prestações, a firma poderia ir lá buscar-me a máquina. Essa era a melhor
garantia. Estávamos neste impasse quando entrou de novo no escritório o Sr.
José Barradas que, ao tomar conhecimento da situação, logo afirmou alto e bom
som ao vendedor: Ó Machado, podes vender o tractor à confiança porque estás na
frente de uma pessoa séria e cumpridora. E o negócio foi feito. Um ano depois,
e já sem se falar em fiador, já lá tinha outra máquina.”
E
ainda, segundo nos afirmou, chegou a ter quatro máquinas, incluindo
ceifeira-debulhadora, enfardadeira e todas as respectivas alfaias, para prestar
serviços de aluguer a outros agricultores.
Boa
saúde, amigo João.