quarta-feira, 14 de novembro de 2012

OS NOSSOS UTENTES


JOAQUINA ADELAIDE

Chamo-me Joaquina Adelaide, mas lá para os meus lados sempre fui conhecida como “Joaquina Sacristoa”, alcunha que me vem do facto do meu pai ter sido sacristão.Foram estas as primeiras palavras proferidas para início da nossa conversa deste mês.


E continuou a desfiar o seu rosário de recordações: Nasci há 87 anos em S. Romão, que à data era freguesia mas que mais tarde acabou por ser anexada a S. Cristóvão. Cedo comecei a trabalhar no campo, porque havia que contribuir para o orçamento familiar. Nunca fui à escola, não só porque ficava longe mas também porque, por esses anos, não era reconhecida tal utilidade nos meios rurais. E hoje tenho pena, porque apenas sei desenhar o meu nome e poucas letras conheço.

Aos 26 anos, a sua vida deu uma volta: Conheci pouco antes o que haveria de ser meu marido e casei-me com essa idade.. Chamava-se Joaquim Inácio aquele que partilhou comigo os meus anos mais felizes. Tinha uma barbearia e uma oficina de bicicletas na Torre da Gadanha e foi aí que vivemos até ao seu falecimento, há perto de 20 anos.

A D. Joaquina nunca parou: Durante aqueles anos na Torre, trabalhei muito a ajudar na matança de porcos, migando carnes e fazendo enchidos, para serem vendidos no estabelecimento de João António Mira Gião, que infelizmente faleceu há poucos meses. Ao serão, ou quando ali não havia serviço, era costureira de calças de homem.

E foi recordando: Com o falecimento do meu marido, o meu mundo desmoronou-se. Nunca tivemos filhos e já não tinha familiares próximos, a não ser três sobrinhas. Fiquei praticamente sozinha e a minha vida alterou-se completamente. Vim para Montemor, para uma casa na Travessa do Espírito Santo e, presentemente, resido na Travessa da Cruz da Conceição.

Mas nunca deixou de labutar: Já viúva, continuei a trabalhar. Durante uns anos ia ao Monte das Colheireiras ajudar uma senhora, chamada Ana Glória, na lida da matança dos porcos, nos enchidos e, ainda, na queijaria.

Mas não ficou por aqui: Anualmente, ia um mês para o Algarve, mais propriamente para Cabanas de Tavira, acompanhar e tratar de uma senhora viúva, cega e praticamente sem ouvir, que ali tinha uma moradia e ia passar as suas férias. No resto do ano estava num lar em Alhos Vedros. Apenas lá fui dois anos porque, entretanto, a senhora faleceu.

Até que …: Com os anos a passarem e tendo fracturado um braço, o que me impedia de fazer certos trabalhos, pedi auxílio ao Abrigo, onde estou no “Centro de Dia” há cerca de três anos. Tenho sido muito bem tratada mas, como deve compreender, não há nada que chegue à nossa casinha. E nem quero pensar no dia em que as coisas da minha casa, reunidas ao longo dos anos com tanto trabalho e carinho, serão desmanteladas e possivelmente muitas delas atiradas para o lixo. É doloroso.

Aqui no Abrigo, a D. Joaquina ocupa os seus tempos de ócio a ver televisão, a conversar e a participar nas viagens e nas actividades sócio-culturais que periodicamente têm lugar.
Nunca tive, e continuo a não ter, feitio para estar desocupada e, então, ofereci-me como voluntária para pôr diariamente a mesa de todos os utentes nas principais refeições servidas no Abrigo. É a maneira de ocupar o tempo e de continuar a sentir-me útil.

Que possa continuar por muitos anos!