terça-feira, 22 de novembro de 2016

OS NOSSOS UTENTES

CUSTÓDIO FRANCISCO CAMISOLA

Foram mais de sessenta, os anos de trabalhos esforçados por que passou o nosso entrevistado deste mês ao longo da sua vida.

Ouçamos a sua história:

“Nasci na freguesia de Nossa Senhora da Tourega, concelho de Évora, no dia 31 de Outubro de 1935. Éramos três irmãos, dois rapazes e uma rapariga, já falecida. O meu pai era carreiro e, ainda eu tinha pouca idade, mudámo-nos para Évora. Por aí estivemos até aos meus seis anos. Por esta altura o meu pai faleceu e, sendo eu o mais velho dos irmãos, fui pouco depois “convocado” para me apresentar ao trabalho. Comecei com sete anos a guardar porcos na Herdade das Cabanas, ganhando vinte cinco tostões por dia (um cêntimo vírgula vinte cinco nos dias de hoje), secos, isto é, sem direito a alimentação. Fui mantendo este estatuto até aos dez anos, altura em que, no mesmo local, já guardava, para além de porcos, também ovelhas, cabras e o que calhava. Passsei a ganhar 1 escudo (dez tostões) por dia, acrescido de 1 litro de azeite e 30 kg. de farinha por mês. E trabalhava do nascer ao pôr do sol.”

E a escola ?

“Nem vê-la. Por conta de outro patrão continuei, isso sim, na escola da vida, então na Herdade das Pereiras, na mesma actividade, ganhando agora os mesmos dez tostões por dia e mais o almoço (antes do nascer do sol), o jantar (a meio da tarde) e a ceia (às sete ou oito horas da tarde). Entretanto, a Herdade das Pereiras mudou de donos, para a família Freixo. Mas eu continuei lá, embora com outros encargos. Deixei de trabalhar com o gado e passei a executar outras tarefas. Aqui, e tinha agora 15/16 anos, já ganhava sessenta escudos por mês (trinta cêntimos actuais) mais 2 litros de azeite e 35 quilos de farinha.”

E foi ficando por estas paragens ?

“Não. De seguida fui para o Freixial, que pegava com o Cromeleque dos Almendres. Tratava dos cavalos, amansava-os e preparava-os para as provas de hipismo. Ganhava 10 escudos por dia (cinco cêntimos de euro) e de comer.

E por aí ficou ?

Não. Com cerca de dezoito anos mudei novamente de emprego. Trabalhava para vários patrões nos mais diversos serviços: limpava árvores, podava, tirava cortiça e, enfim, ia fazendo todo o género de tarefas agrícolas. Nesta altura a jorna situava-se entre os dezassete e os dezoito escudos por dia (oito cêntimos e meio/nove cêntimos) Sem mais nada.

Mas, entretanto, outras coisas se foram passando na sua vida.

“Em 1954 fui pela primeira vez às “sortes”, isto é, à inspecção militar. E digo da primeira vez porque, tendo então ficado “adiado”, tive de lá voltar no ano seguinte. E fiquei “apurado”. Assentei praça em Tomar, mas um mês depois fiquei livre “ao número”. Isto acontecia quando a quantidade de recrutas era superior ao pretendido. Então, faziam um sorteio para mandarem para casa os que tinham a sorte de sair na “rifa”.

Mas certamente que a sua vida não foi só de trabalho. Com certeza que também teve as suas horas livres. Como é que as aproveitava?

“Claro que na minha mocidade tive vários namoricos. E fiz bem a minha obrigação. Se não me falha a memória, foram catorze as moças que eu namorisquei. Até conhecer a décima quinta, com quem acabei por casar. A Maria Luísa tinha catorze anos quando começámos a namorar e dezoito meses depois já estávamos casados. Eu tinha 25 anos. Fomos então morar para a Boa Fé, em cuja Igreja foi oficializada, há 56 anos, a união com a ainda minha esposa Maria Luísa Cunha Pinheiro. Deste enlace nasceu há 54 anos o nosso único filho – Ricardo José Pinheiro Camisola.

Com a vida de casado, muita coisa mudou …

“Nalgumas coisas, sim. Ainda a morar na Boa Fé, continuámos os dois a trabalhar no campo. Porém, a dada altura, consegui emprego na firma Silva Borges, Limitada, aqui em Montemor. Era uma grande empresa, onde praticamente fiz de tudo. Cortei muitos milhares de pinheiros por todo o país. Só no Algarve estive cinco anos. Era muito amigo de toda a família. Ali trabalhei até aos setenta anos, idade com que me reformei.”

Mas continuava a residir na Boa Fé ?

“Não. Em 1977 mudei a minha residência para Montemor. Tinha comprado, nos Foros da Rosenta, um terreno, com pouco mais de um hectare, e ali construí a minha casa.”

Problemas de saúde obrigaram o casal Camisola a recorrer aos serviços do Abrigo, onde estão ambos, no “Centro de Dia”, desde 1 de Setembro passado. Como se deduz do que nos disse anteriormente, nunca frequentou a escola e não sabe ler nem escrever. Todavia, como nos confessou, no trabalho costumavam dizer que ele era um autêntico computador…

No seu dia-a-dia frequentam o ginásio, vão vendo televisão quando o assunto lhes interessa, conversam e o sr. Custódio prometeu ir inscrever-se para começar a frequentar, aqui mesmo no Abrigo, as aulas de alfabetização.       Em frente, Amigo!