sexta-feira, 24 de julho de 2015

OS NOSSOS UTENTES

JOSÉ SIMÕES DOS SANTOS

A história do nosso entrevistado deste mês, mais do que uma pequena conversa, dava um longo filme, tais foram as peripécias, aventuras e desventuras que conheceu ao longo da vida.


Mas vamos dar-lhe a palavra:

“Nasci há 86 anos no Ciborro, mas era muito novo quando a família foi morar para Coruche. Quando tinha 12 ou 13 anos, já com a 4ª classe, faleceu o meu pai, que na altura contava apenas trinta e poucos anos. Apesar de se tratar de um casal jovem, a minha mãe viu-se viúva e com seis filhos, dos quais eu era o mais velho.”

Foi, portanto, uma enorme e inesperada tragédia que alterou completamente a vida familiar.

“Como se compreende, foram tempos difíceis. Tivemos no entanto a felicidade de ser acolhidos, aqui em Montemor, na casa do meu tio José Bento, cuja esposa era irmã da minha mãe. O meu tio, como se deve recordar, era o chefe da central eléctrica, tendo falecido anos depois, electrocutado, no seu posto de trabalho. Pois foi na sua casa que morámos algum tempo. Como eu era o mais velho dos irmãos, empreguei-me na oficina Magina. Teria já dezasseis ou dezassete anos, já morávamos na Ruinha, fui para empregado de mesa no Bar Alentejano, onde tinha como patrão o sr. Manuel Dias Moita, que mais tarde haveria de ser meu cunhado. Neste estabelecimento fui colega de António Leonardo Correia, mais conhecido por Espanhol, que depois esteve no Café Almansor e alguns anos mais tarde emigrou para os Estados Unidos, onde penso que ainda se encontra. Aqui no Bar Alentejano aconteceu-me uma coisa curiosa: como o movimento do café não justificava dois empregados, dispus-me a ceder o lugar ao António e fui à procura de outra vida.”

E foi o que na realidade aconteceu …

Com os meus dezassete ou dezoito anos comecei a negociar em lenhas, carvões e no que me ia aparecendo. Ao mesmo tempo trabalhava na estação de serviço do sr. Laurentino dos Reis, de onde me ficaram umas luzes sobre a forma de lidar com alguns dos problemas que surgiam nos automóveis. Quando chegou a altura, lá fui à inspecção militar e está claro que fiquei imediatamente apurado, já que tinha um corpo bem desenvolvido.

Portanto foi para a tropa, como não podia deixar de ser …

“Claro que acabei por ir, mas não sem antes ter havido um pequeno incidente, como vou contar. Quando saíram os editais, vi que tinha de me apresentar em determinado dia no quartel de Artilharia Um, em Évora. Porém, como a vontade de ir não era muita, “esqueci-me” de ir apanhar o comboio. Dias depois, e porque me foram chamando à razão de que aquilo não era para brincadeiras, resolvi ir apresentar-me. Disse que tinha estado doente e a coisa não teve consequências de maior. Depois, e como soubessem que eu já ia percebendo alguma coisa de carros, mandaram-me tirar a carta e quando passei a pronto fiquei como segundo motorista do carro do comandante, Major Marino.

E a vida militar decorreu sem mais quaisquer problemas. Certo?

“Não foi bem assim. O pior ainda estava para vir: O nosso comandante gostava bastante de futebol e um dia, ele e mais um capitão, quiseram vir ver um jogo a Montemor, salvo erro entre duas equipas de militares. Como eu não gostava de bola, fui deixá-los junto ao estádio e, como sabia quando é que o jogo acabava, fui ter com o meu amigo Rui “maneta”, que sabia ir encontrar na Laranjinha. Eu tinha o tempo bem contado, mas eles se calhar não gostaram do jogo ou do resultado e decidiram sair mais cedo. Tramaram-me. Pegaram no carro e foram-se embora para Évora. Quando cheguei ao local onde tinha deixado o Ford com capota de lona e não o vi, fiquei aflito. Entretanto o jogo acabou e um sargento viu-me, contou-me o que tinha acontecido, e aconselhou-me que o melhor era eu ir com ele porque, de contrário, estava metido numa camisa de onze varas.
E o amigo José assim fez…

“Claro que fui, pois, mas receando o que me poderia acontecer. Não evitei o castigo, ainda assim bem leve: estive impedido de sair do quartel durante quinze dias. Do mal, o menos.”

Por fim, lá chegou a hora da desmobilização…

“Quando me livrei da tropa comprei um camião de 10 toneladas e comecei a fazer transportes, ao mesmo tempo que ia fazendo os meus negócios. Porque eu pensei: anteriormente, quando comprava e depois vendia as lenhas, os carvões ou outros produtos, havia que recorrer aos serviços de um camionista. Se fosse eu a fazer os transportes, era mais esse dinheiro que ganhava. E foi assim o resto da minha vida. Cheguei a ter 3 camiões ao mesmo tempo. Já, então, vivia no Escoural. Lá conheci a minha mulher – Constança Rosa Baptista – que me deu um filho e uma filha e com quem estou casado há perto de sessenta anos.”

Os anos foram passando, foi vencendo os problemas que sempre surgem, até que chega o dia em que se tem de parar.

“Fui sempre marcado em cima pelas brigadas de trânsito. Até parece que adivinhavam por onde eu iria passar. Por isto ou por aquilo arranjavam sempre maneira de me multar. Umas vezes com razão mas outras sem ela. Mas enfim… lá fui andando até que há uns anos, perto de S. Mateus, o camião entrou em derrapagem devido a uma quantidade de areia que estava na estrada e o veículo foi embater violentamente num sobreiro. O meu ajudante infelizmente faleceu e eu voei da cabine e fiquei sentado na estrada. Quem primeiro chegou ao pé de mim foi o nosso conhecido Simão Comenda. Isto aconteceu há perto de vinte anos, mas eu nunca mais fiquei o mesmo. Estive várias vezes hospitalizado e a situação foi-se agravando. Problemas na coluna, na bacia e nas pernas foram-me impedindo cada vez mais de ter uma vida normal, até ao dia em que me vi preso a uma cadeira de rodas, que é actualmente o meu único meio de locomoção.

O Sr. José Simões dos Santos está como residente no Abrigo desde Fevereiro deste ano, enquanto que a sua Esposa continua a viver no Escoural, na casa onde o casal morava. Felicidades para ambos, com os nossos melhores votos de significativas melhoras.