quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

OS NOSSOS UTENTES


MARIA INÊS SAMPAIO BARREIROS


A vida dá grandes voltas e, no seu movimento, acontece que muitas vezes até nos troca as voltas. É o caso da nossa entrevistada deste mês, que conheceu muitas dificuldades mas que sempre lutou para vencer as contrariedades que ia enfrentando.

“Nasci aqui na nossa então vila, no dia 25 de Setembro de 1931,numa família com quatro filhos (dois rapazes e duas raparigas), dos quais só eu e a minha irmã estamos vivas. Toda a nossa infância foi passada na Ruinha, onde a família morava.”

Vivendo perto de uma escola, certamente que foi mais fácil frequentá-la. Certo?

“Não. Nessa altura as aulas não eram mistas pelo que, vivendo perto de uma das escolas, fui para a Conde de Ferreira, frequentada apenas por raparigas. No entanto, da escola só me lembro de ir para lá com uma mala de pano, mas apenas por poucos dias, o que não deu para aprender a ler ou a escrever. Fiz apenas uns gatafunhos.”

Mas por que razão não andou mais tempo?

“Os tempos eram bastante difíceis. O meu pai, José Maria Afonso Barreiros, era na altura empregado do sr. Manuel do Alberto, que tinha umas carroças com que fazia o transporte de vários tipos de carga e, portanto, ganhando pouco, havia mais a preocupação de se arranjar sustento para a família do que dar instrução aos filhos. O meu pai, que em jovem tinha aprendido música, era também filarmónico na Carlista. Mais tarde foi para contínuo do tribunal, ainda este estava instalado no que é hoje a biblioteca municipal.”

Então, ainda novinha e sem escolaridade, como se ia desenvolvendo a sua vida?

“Por volta dos 9/10 anos, com umas sapatilhas de trapo, que usava quer fosse verão, quer fosse inverno, trabalhava fazendo recados a quem calhava e até lavava o chão da casa de uma vizinha. Ganhava muito pouco, mesmo atendendo a esses tempos. E assim ia sendo a minha vida, fazendo os trabalhos que me apareciam. Até que, já perto dos 20 anos, comecei a ter outros serviços mais permanentes. Estive em casa do sr. Gaspar Ferreira e do dr. Vacas de Carvalho com uma certa regularidade, ainda que fosse aceitando outros trabalhos ocasionais que me iam aparecendo.”

Propomos agora um salto no tempo para trazer novas recordações

“Teria perto de trinta anos, e depois de um namoro atribulado porque os meus pais não eram favoráveis, juntei-me com o meu namorado, de nome Manços Calhau, que era ardina e contínuo do União, quando a sua sede era ali na rua Capitão Pires da Cruz. Foi ele o pai das minhas duas filhas, uma das quais faleceu ainda não há muito tempo. O Manços morreu ainda as minhas filhas eram pequenitas e, dada a minha situação ser bastante difícil, fui forçada a interná-las no Asilo de Infância, gerido por freiras e situado no Convento da Saudação, no Castelo. Por lá estiveram alguns anos. Entretanto, há perto de 50 anos, juntei-me com João Francisco Salgueiro, com quem mais tarde me casei oficialmente. Foi ele que tomou a iniciativa de retirar as minhas filhas do Asilo. Do João não tive filhos, mas tratou sempre as minhas filhas como se dele fossem.”


Então, a partir daí, a sua vida melhorou…

“Passei por grandes desgostos e sofri muito com uma vida de sacrifícios, de contrariedades e de trabalho penoso, porque o pai das minhas filhas ganhava muito pouco. Só anos depois, quando primeiro me juntei e depois casei com o meu actual marido é que a minha vida melhorou. O João foi operário da construção civil e empregado da Gelmar. Quando esta empresa encerrou, ele emigrou para a Alemanha e, passados alguns meses, também eu fui ter com ele. Passámos lá poucos anos, sempre com o medo atrás da porta, porque então ainda não estávamos casados e eu não tinha contrato de trabalho nem autorização de residência.”

Mas ainda deu para amealhar algum dinheirito?

Sim, apesar de não ser muito. De qualquer forma, ainda nos permitiu adquirir    a nossa casita na rua Teófilo Braga, ou seja, na rua Direita. Foi comprada à Família Cunhal e depois o meu marido, que já havia sido pedreiro, fez lá dentro uns melhoramentos que a tornaram na nossa habitação. Neste momento, o meu marido ainda lá vive, sozinho, desde que no dia 10 de Maio deste ano entrei para o Abrigo.”

E o que a levou a optar por vir para o Abrigo?

“Como vê, desde há muito tempo que sofro imenso de artroses, que me atormentam cada vez mais as mãos e as pernas. Esta situação incapacita-me para realizar as tarefas mais essenciais. Andei de médico para médico mas nada resultava. Sem conseguir efectuar as tarefas mais indispensáveis, fui forçada a pedir ajuda ao Abrigo. Quando entrei ainda me movia com duas canadianas mas, passado pouco tempo, talvez cedo demais, puseram-me numa cadeira de rodas e até assim tenho de ser ajudada para me deslocar. Vou frequentemente ao ginásio, mas continuo a ser dependente porque nem sequer tenho força nas mãos para mover a cadeira.”

E o seu marido?

“Está lá na nossa casa, até que haja vaga para se juntar a mim, porque também não está bem. No entanto, enquanto a tal vaga não surge, o Abrigo proporciona-lhe o “Apoio Domiciliário”.

Resta-nos endereçar a todos os(as) Utentes das três áreas sociais, aos Funcionários (as), aos Membros dos Corpos Sociais, ao Corpo Médico e de Enfermagem, aos Colaboradores (as) e aos nossos Leitores(as) os mais sentidos votos de um FELIZ NATAL e de um ANO de 2018 sobretudo com Saúde!