segunda-feira, 24 de abril de 2017

OS NOSSOS UTENTES

LUISA MARIA FACA


Já com o estatuto de “rainha”, título que lhe foi conferido, por aclamação, no “Baile da Pinha” realizado no Abrigo do dia 12 deste mês de Abril, Sua Majestade D. Luísa Maria Faca prestou-se, com alguma relutância, a falar da sua vida privada. Que nem sempre foi fácil, como adiante se verá.

 “Nasci, no dia 15 de Janeiro de 1935, na Courela do Santíssimo, perto da ermida da Sra. da Visitação, e ali vivi enquanto fui solteira. Sou a mais nova de quatro irmãos.”

Aqui tão perto da então vila, certamente que andou à escola…

 “Engana-se. Por motivos que ainda hoje não compreendo muito bem, o meu pai não deixou que eu fosse. E o mesmo aconteceu com os meus irmãos. A eles ainda posso perceber o motivo, que seria certamente para não privar o orçamento doméstico dos seus eventuais salários. Mas comigo, a razão seria outra. Os meus irmãos, especialmente o mais velho, que na altura já era um homem, defendiam que eu deveria ir à Escola, mas o meu pai nunca permitiu.”

E assim, que destino lhe reservou o futuro?

 “A labuta no campo, está bem de ver. Com 11 anos já trabalhava no duro e assim foi sempre até me reformar.”

Os anos foram passando e o inevitável namorico aconteceu…

 “Cerca dos meus quinze anos namorisquei com um rapazito da mesma idade. Era um garoto, tal como eu. Nesses anos havia muitos bailaricos. O meu irmão mais velho tinha uma concertina e cedo começou a levar-me com ele para os bailes que frequentemente se organizavam, a propósito de tudo e de nada, nos montes das redondezas. Era o tempo em que qualquer casita se transformava em local de bailarico. E com 18 anos, já então tinha falecido o meu pai, comecei finalmente a namorar mais a sério com o Joaquim, que haveria de ser o meu marido dois anos mais tarde.”

E o conhecimento com o seu futuro marido aconteceu nalgum desses bailes?

 “Não. Éramos os dois trabalhadores agrícolas e foi na Adua que nos conhecemos, porque ele morava longe de mim, nas Fazendas, para os lados do Lanita. E, como disse, dois anos bastaram para o namoro. Com 20 anos casei-me com o Joaquim António Magrinho e desse enlace nasceram-me dois filhos – a Idália e o José Francisco – ambos já casados e residentes em Montemor.”

E depois de casada para onde foi morar o casal?

 “Fomos para a Quinta das Laranjas, perto dos Cavaleiros. Mesmo ao meu lado morava uma senhora que eu considerava como a minha segunda mãe. Chamava-se Vitorina Cartas e ainda hoje a recordo como uma excelente criatura. Por aqui estive cerca de seis anos e era a nossa residência quando nasceram os meus filhos. Dali passámos para o Monte das Feiticeiras, pertinho da residência anterior.”

E quando casaram continuaram a labutar no campo?

 “Sim. E sofria-se muito nos trabalhos agrícolas. Recordo-me que em determinada altura andava no arroz, na Quinta de Sousa, ao tempo em que a minha filha fez os três anos. E tinha de a deixar ao cuidado da cozinheira, porque não tinha outra qualquer alternativa. Mais tarde, andava na cortiça, numa herdade perto do Escoural, e o meu filho, apenas com quatro meses, enquanto eu estava a trabalhar, dormia numa prancha de cortiça, acabada de tirar do sobreiro, que lhe servia de berço. E à noite dormíamos, juntamente com outros trabalhadores, numa casa velha e tendo, como camas, juncos e as poucas roupas que tínhamos conseguido levar de casa.”

Era, portanto, uma vida bastante difícil.

 “Tenha a certeza disso. Numa altura andámos em Benavente, no arroz, e as condições eram igualmente deploráveis. Dormíamos num barracão onde normalmente estavam as vacas e ali tínhamos de nos abrigar todos. E as camas, de palha de arroz, eram separadas umas das outras com um tijolo. E de um lado dormiam os homens e do outro lado as mulheres. Eram normalmente três meses de grande penação. Tudo isto para ganharmos meia dúzia de tostões, trabalhando de sol a sol.”

E a D. Luísa continuou a recordar:

 “Quando os meus filhos ainda eram pequenos mudámos para as Fazendas do Cortiço. Passado tempo o meu marido faleceu, depois de trinta anos de vida em comum. Neste momento sou viúva há 32 anos. Entretanto os meus filhos cresceram, casaram e foram à sua vida, como é natural. E eu, já com mais de sessenta anos, e com pensão de invalidez, fui morar para a Fonte de Torres com o meu irmão Manuel e a minha sobrinha Beatriz, num anexo que eles me cederam. Mas com o passar do tempo a minha saúde foi-se degradando ainda mais. Tinha dificuldade em fazer as coisas mais elementares e tive de tomar esta decisão de entrar para o “Centro de Dia” do Abrigo, onde me encontro desde o dia 15 de Março último. Vou dormir, naturalmente, à casa da Fonte de Torres.”

E como tem sido a sua adaptação?

 “É claro que nada chega à nossa casa e especialmente os primeiros dias não foram fáceis. E para não levar o tempo a chorar tive de encontrar distracções. Assim, vou vendo televisão, conversando, dando uns passeios e aproveito todas as oportunidades para ultrapassar esta fase que é sempre difícil. Ajuda-me também o facto de ser bem tratada por toda a gente, o que é muito importante. Para além de tudo o mais, tenho também a felicidade de ter 4 netos (3 rapazes e 1 rapariga) e um bisneto, agora com 6 anos, que são a luz dos meus olhos.


E pronto. Resta-nos agradecer a disponibilidade e desejar um reinado feliz.

quinta-feira, 13 de abril de 2017

BAILE DA PINHA 2017

Baile da Pinha elegeu

Francisco Tira-Picos  e  Luísa Faca
os novos reis do Abrigo



A pinha que haveria de decidir a futura “monarquia”
Cumprindo uma tradição que aos poucos se vai perdendo, no Abrigo dos Velhos Trabalhadores continua a haver o “Baile da Pinha”, que tem como consequência, e momento alto, a eleição dos novos reis que serão as entidades máximas até daqui a um ano.

Os últimos instantes dos monarcas que em breve terminariam o seu mandato

Com uma sala bem decorada pelos utentes, com um vasto público ansioso pelo desfecho e com o acompanhamento musical ajustado às circunstâncias, dançou-se e deram-se palpites sobre quem seriam os felizes contemplados.


A poucos minutos da grande decisão

O momento em que a pinha se abriu

Os anteriores reis dão posse aos seus sucessores


        
Com os pares dispostos à volta da pinha, que no seu interior continha os números que iriam definir o par destinado a governar, foi cada qual empunhando uma das fitas devidamente numerada. E quando todos (candidatos e público) se interrogavam sobre quem seriam os felizes contemplados, foi dada a ordem de abertura. E de imediato se veio a saber quem governará o Abrigo nos próximos doze meses: Francisco Tira-Picos e Luísa Faca. E todos os presentes os saudaram, felicitaram e desejaram um feliz reinado.


Suas Majestades, os eleitos, recebem as ovações dos súbditos

Depois… bem, depois foi o habitual lanche, também sempre bem servido e igualmente apreciado.