quarta-feira, 30 de outubro de 2013

OS NOSSOS UTENTES

LUISA  MARIA  PETITA


Completou 95 anos em Junho passado a nossa “conversada” deste mês. A caminho do centenário, a D. Luísa não vive dias felizes. Aliás, e conforme nos confessou, só conheceu mais de perto a felicidade durante o tempo em que esteve casada. Tinha 22 anos quando se “juntou” com o seu companheiro de sempre, porque isso de casar implicava despesas que não estavam ao alcance dos noivos. 

“A minha juventude foi muito dificultosa. Nasci no Monte do Pinheiro, perto de Foros de Vale Figueira, numa situação muito complicada. A minha mãe namorava com um rapaz que a engravidou mas, depois, nunca mais quis saber dela nem de mim. Toda a nossa família era pobre, pelo que se pode imaginar as dificuldades que passámos. Aos 4 anos fomos morar para o Moinho do Álamo. Na idade certa palmilhava muitos quilómetros para ir à escola a Santo Aleixo. Fiz a primeira classe da instrução primária e ainda frequentei a segunda, mas entretanto a escola fechou e terminou aí a minha aprendizagem. Tive imensa pena de não ter continuado até saber ler e escrever, mas os tempos não eram favoráveis nem havia escolas por perto.  Hoje ainda conheço as letras, mas já não as sei juntar.”

O caminho que a D. Luísa teve de percorrer foi igual ao de tanta gente a quem a vida não sorria:

“A minha vida começou desde cedo a dar muitas voltas e as preocupações eram constantes. A primeira grande infelicidade aconteceu quando o meu pai nunca quis saber de nós. Se hoje não é fácil, naquele tempo era muito pior a situação de uma mãe solteira com uma filha nos braços. Tivemos, portanto, de vencer muita miséria e ultrapassar inúmeras dificuldades.”

Cedo começou a conhecer os trabalhos mais duros:

“Aos 13 anos comecei a trabalhar no campo, a ceifar, e depois disso nunca mais parei. Fiz praticamente todos os trabalhos agrícolas, e já era uma sorte quando se conseguia arranjar patrão. A enxada e a foice foram as minhas companheiras de toda uma vida”.

Atingida a idade adulta, foi a vez da jovem Luísa dar novo rumo à sua vida:

“Tinha 22 anos quando me juntei com o que seria meu marido para a vida inteira. Foi o tempo em que mais de perto conheci a felicidade, ainda que sempre com inúmeras dificuldades. Chamava-se José Francisco e, infelizmente para ele e para mim, faleceu há cerca de 21 anos. Tivemos dois filhos: o primeiro morreu no dia seguinte ao do seu nascimento; o outro, de nome Guilherme, muito meu amigo, graças a Deus ainda é vivo e goza de uma saúde normal.”

Como já referiu, apesar de ser feliz com o companheiro, nem por isso as dificuldades económicas se afastaram do seu lar:

“Quando casei fui residir para o Monte de Vale de Figueira e, sucessivamente, passámos pelo Monte do Lagar, junto à Ribeira da Lage, pelo Berlonguinho, perto de Santa Susana (onde o meu Guilherme andou à Escola), e  pelo Monte da Basbaia, entre outros. Passámos tempos muito duros, numa vida sempre atribulada.”

Apesar da crise com que o País actualmente se debate, e que é bem real, que dizer então de tempos em que as dificuldades ainda eram maiores:

“Especialmente enquanto solteira, os tempos eram muito difíceis. Nuns dias comíamos pão com azeitonas, noutros pão com boletas e ainda noutros, pão com o que se apanhava. Saiba que até éramos perseguidos quando tentávamos apanhar umas boletas para comer. Havia sempre alguém de vigia, normalmente armado. Nunca dei por chegar a haver disparos, mas veja que até as boletas tinham de ser disputadas com os animais. Grandes misérias se viviam em dezenas de famílias.

Depois de casada, a vida melhorou alguma coisa, porque sempre eram dois a ganhar, por pouco que fosse.

“Enquanto fui solteira nunca saía de casa para passear ou divertir-me. Lá ia a alguns, poucos, bailaricos que se realizassem nas redondezas, mas não passava daí. Até mesmo à vila só vinha caso fosse mesmo necessário. Depois de casada, e alguns anos mais tarde, fomos a meia dúzia de excursões. Duas vezes a Fátima, uma vez a Elvas e duas vezes à praia. Porém, destas idas à praia poucas recordações guardo, porque o meu marido sofria do coração e o médico desaconselhava a proximidade do mar. Assim, enquanto as restantes pessoas iam para a praia, nós ficávamos no autocarro a esperar que regressassem.”

No “Centro de Dia” do Abrigo vai fazer 3 anos para Novembro, a D. Luísa reconhece que é uma ajuda e que é bem tratada. Porém:

“Para viver com mais tranquilidade e segurança o resto dos meus dias gostaria bastante de ficar no Abrigo como residente. Não é porque tenha receio de ficar sozinha, porque infelizmente não possuo quaisquer bens e a pensão que recebo é uma miséria que nem sempre dá para a mensalidade e para os medicamentos, mas a minha idade e a doença já não me permitem fazer as tarefas domésticas. Moro relativamente perto do meu filho mas, infelizmente, a minha nora, por motivos de saúde, não me pode prestar assistência. Assim, limito-me a fazer a cama e pouco mais.”

Tenha esperança, D. Luísa. Os responsáveis estão atentos ao problema e certamente que o resolverão quando houver oportunidade.