quinta-feira, 20 de setembro de 2018

OS NOSSOS UTENTES

NORBERTO FELICIANO SOARES


Nasceu em S. Cristóvão, mas está radicado em Montemor há muitos anos. Figura estimada e bem conhecida, está no Abrigo como residente desde 2016 e sente-se atraiçoado pela doença, que lhe afecta um dos seus principais instrumentos de trabalho: os olhos. Mas vamos ouvir o que tem para nos dizer:

“Viúvo, há já uns anos, de Margarida Maria, sou natural de S. Cristóvão, onde nasci em 1924, e sou o mais velho de cinco irmãos, felizmente ainda todos entre nós. Frequentei a escola primária até à 3ª classe e tive como mestre o então bem conhecido Prof. Arantes. Acabei por concluir e fazer exame da 4ª classe já na tropa.”

Mas por que motivo interrompeu os estudos?

“Eu não gostava muito de andar à escola mas, sobretudo, tinha uma grande paixão pelos relógios. O meu pai era relojoeiro, para além de ter também uma barbearia. A perspectiva de vir a ser barbeiro não me agradava mas, por outro lado, era a magia dos mecanismos dos relógios que me seduziam. E, começando pelos despertadores, cedo me iniciei a desmanchá-los, a tentar compreender o seu interior e, inclusivamente, a desenhar e a anotar em papéis as suas componentes e locais onde as várias peças encaixavam.”

E foi isso que sempre fez?

Até ir para a tropa trabalhei e aprendi com o meu pai os segredos desta arte. E quando regressei, terminada aquela obrigação, montei a minha própria oficina. Nessa altura, S. Cristóvão tinha grande população, até pelos muitos trabalhadores que ali laboravam nas minas. E em todos os foros vizinhos viviam muitas famílias. Havia uma grande movimentação e fazia-se negócio.”

Até agora ainda não se referiu à fase da sua juventude…

“Então lá vai. Tinha 16 anos quando comecei a namorar a Margarida, então com 13 anitos. Tive mais namoradas, mas era desta que eu gostava. Com 22 anos, com a tropa resolvida, resolvemos casar. E tivemos dois filhos: a Maria Virgínia e o António Luís.”

Mas em determinada altura resolveu instalar-se em Montemor e abrir uma ourivesaria e relojoaria.

“Exactamente, ali na rua 5 de Outubro, e já lá vão uns bons anos. O estabelecimento, no entanto, ainda existe, agora com gestão do meu filho. E vim para Montemor porque, entretanto, em S. Cristóvão foram encerrando as minas de carvão, o pessoal começou a sair e o negócio foi enfraquecendo. Mas já gora, e voltando atrás, quero falar mais um pouco da minha juventude. É que a memória já não é o que era e as coisas vão aparecendo aos poucos. É de noite que muitas vezes vou recordando factos antigos. Mas lembrei-me neste momento de um pormenor curioso e que nunca mais esqueci. Eu em novo era um doido por bailes. Dançava do princípio ao fim. De tal forma que, por vezes, até a minha namorada me pedia para lhe dar sossego, dizendo: Ó Norberto vai buscar outras, porque já me doem as pernas e eu preciso de descansar… A minha mulher era excepcional. Para além de excelente costureira era igualmente uma óptima cozinheira. Até o aroma de uma simples açorda era reconhecido e admirado pela vizinhança…”

Obrigado, Sr. Norberto,  pelo tempo que nos dispensou.