terça-feira, 26 de abril de 2016

OS NOSSOS UTENTES

MARIA BERNARDINA DE JESUS VERMELHO


Num dia em que a Primavera continua desagradável e a teimar em não nos oferecer aquele tempo ameno de que todos já temos saudades, estivemos à conversa com a D. Maria Bernardina.

Tem 84 anos e nasceu em Vale de Marias de Baixo, perto de S. Matias. Está casada, há sessenta e tal anos, com Manuel Francisco Pires.

E começa então a desfiar a sua história:

“Éramos quatro irmãos, mas infelizmente só eu e uma irmã mais nova somos vivas. A vida no campo, naquele tempo, era muito difícil. Comecei a trabalhar com 10 anos e aos onze já ceifava. Nunca frequentei a escola, até porque por esses anos ainda não havia essa obrigatoriedade e só anos mais tarde houve escola em S. Matias.”

Então, foi a labutar nas fainas agrícolas que se foi fazendo mulher…

“Exactamente. Em determinada altura veio dos lados de Portel um rapaz, acompanhado pelo pai, para trabalhar para o mesmo patrão. Ele era cinco anos mais velho do que eu, que apenas tinha doze ou treze anos. Aliás, o pai dele, em jeito de brincadeira, ia dizendo que um dia haveríamos de casar. Mas, claro, o meu pai não achava graça a isso.”

E ficou por aí a conversa ?

“Teria eu 17 anos, cheguei à conclusão de que gostava desse rapaz e começámos muito timidamente, e à socapa, a conversar, porque os meus pais achavam que eu era muito nova. Já o pai dele via com bons olhos o namoro e até um futuro casamento porque, sendo ele já viúvo, queria ver o filho amparado.”

Portanto, já estou a adivinhar que as coisas começaram a andar para a frente…


“Estava mesmo a ver-se. Começámos a namorar ao sério e, tinha eu 19 anos e ele 25, resolvemos juntar os trapinhos. Como consequência normal, eu engravidei e, pouco depois, no casamento de uma cunhada, ela disse ao Padre a posição em que nós estávamos e ele prontificou-se a regularizar a situação, o que aconteceu passados brevíssimos meses. Já casados, ficámos a morar numa outra casa em Vale de Marias de Baixo. Eu fui trabalhando até começarem as nascer os restantes filhos, especialmente a partir do segundo, enquanto o meu marido ia labutando na sua actividade muito exigente: porqueiro e afilhador de porcas”

Então, quantos filhos tiveram ?

“Tivemos, e temos, 5 filhos: 4 raparigas e 1 rapaz, felizmente todos eles com as suas vidas arrumadas. A minha filha Romana mora perto de nós, ali na Rua de S. Domingos, e é quem nos vai ajudando naquilo que é necessário.”

Recordando os tempos passados, D. Maria Bernardina reconhece e confessa:

“Eu hoje é que vejo que naqueles anos estava completamente às “escuras”, se bem que nos últimos tempos já tivéssemos luz eléctrica e até televisão. Mas vivíamos num ermo e nem me apercebia do mundo que girava à nossa volta, metida naqueles matos sem ver praticamente ninguém. Houve anos em que quando por qualquer circunstância ali aparecia alguém desconhecido, até fugíamos com medo.”

E da sua casa no campo veio logo para o Abrigo?

“Não. Vim primeiro morar na rua das Ricas e depois para a rua de S. Domingos. Foi quando comecei a abrir os olhos e a ver coisas que eu nem sonhava que existiam. Entre o ambiente de ermo em que vivíamos e o que viemos encontrar em Montemor era uma enorme diferença.”

Mas de vez em quando dava os seus passeios…

“Não. Nunca gozei a vida. Primeiro porque o meu pai era muito austero e, depois de casada, a actividade do meu marido não lhe permitia afastar-se do gado. Só por duas vezes, em que conseguiu um substituto, é que fomos a duas excursões de um dia, a Fátima e à Marinha Grande. Mas num dia, era tudo a correr. Nem dava praticamente para nada.”

E agora ? O Abrigo organiza passeios a vários locais. Era uma boa oportunidade para ver o que nunca viu.

“Realmente, hoje em dia há essa possibilidade, mas o meu marido não quer ir e também não vê com bons olhos que eu vá sozinha.”

É de referir que o casal está no “Centro de Dia” do Abrigo há um ano e que, segundo nos confessou, são muito bem tratados.