terça-feira, 14 de agosto de 2018

OS NOSSOS UTENTES


MARIA AMÁLIA DOS SANTOS RIBEIRO MOTA


         No “Centro de Dia” há pouco mais de um mês, a D. Maria Amália tem uma história de vida que, tal como acontece à maioria das pessoas, está recheada de momentos felizes e de outros, marcados pela doença, que vieram transformar por completo a existência feliz de um lar unido durante mais de meio século.

         “Os meus pais moravam na Amoreira da Torre, mas eu nasci, num distante dia de 1937, em casa da minha tia Catarina, que residia na Rua de S. Vicente, aqui em Montemor, embora depois tivesse ido naturalmente para a casa paterna.”

         Como foi a sua infância?

         “Se bem que fora da zona urbana, posso dizer que tive a sorte de haver uma escola na Amoreira, ainda que apenas leccionasse até à 3ª classe. A escola era naturalmente frequentada por crianças que viviam em montes mais ou menos próximos, ainda que algumas delas tivessem de vencer essas distâncias em condições muito difíceis, sobretudo no Inverno. Algumas havia que, descalças e sem resguardos capazes, tinham inclusivamente de atravessar a ribeira que nalgumas alturas não era tarefa fácil. No entanto, o Dr. Alfredo Cunhal, que era um homem com ideias avançadas para a época, apercebendo-se das dificuldades dos jovens, tomou a iniciativa de criar uma cantina na Amoreira, onde todas as crianças, sem excepção, comiam gratuitamente as refeições completas. E mais: para quem frequentava a escola havia distribuição de roupa e calçado para os meses de invernia.”

         E a sua vida depois de terminada a escolaridade possível?

         “Antes de continuar devo acrescentar que acabei por fazer a 4ª classe em adulta, quando já era casada e tinha as minhas duas filhas. Mas voltando atrás, com 11 anos comecei a ir à azeitona e à monda, por conta do Dr. Cunhal. Nos dias de chuva torrencial a única protecção era uma saca pelas costas, presa à frente com um alfinete. Quando a “capa” ensopava, tínhamos de a tirar porque o peso era insuportável. Então, era “aguentar” a chuvada até que aliviasse ou parasse. Lembro-me da Margarida Foninhas, mulher do Custódio Açorda, que era o manajeiro, e de todas as companheiras dessas lides, algumas residentes nos montes próximos da Amoreira e outras que vinham da então vila.”

         E nas campanhas de verão?

         “Durante as ceifas até havia quem dormisse nos regos das searas, só para evitarem o cansaço de se deslocarem para as suas residências. Quando o Dr. Cunhal se apercebeu disso, disponibilizou umas casas onde esses trabalhadores que viviam mais longe pudessem pernoitar se assim o entendessem. Na Amoreira da Torre ou no Freixo havia sempre trabalho e trabalhadores dispostos a entrar ao seu serviço, até por pagar jornas acima do que era normal, o que não era bem visto pelos outros lavradores. Foi o Dr. Cunhal o primeiro a implementar a jornada das 8 horas, ainda muito antes de isso ser legalmente obrigatório.”

         E esteve muitos anos nos trabalhos agrícolas?

         “Não. Um dia, teria eu os meus 15 anos, fui chamada para ir falar com a D. Maria Rita, que me perguntou se eu quereria ir lá para casa como empregada. Claro que aceitei de imediato, livrando-me assim dos temporais a que por vezes estava sujeita. O casal tinha uma única filha, de nome Ana Maria, conhecida por Aninhas, que era mais ou menos da minha idade. Dávamo-nos como irmãs, de tal forma que quando foi estudar para Lisboa quis que eu fosse com ela. Mantivemos sempre uma grande amizade e tive um enorme desgosto quando faleceu.”

         Continuando a narrativa, devemos estar a chegar ao momento em que algo de muito pessoal acontece…

         “Claro. Por volta dos meus 17 anos aconteceu o inevitável: o namoro. O Custódio José Mota era motorista da casa, pelo que já nos conhecíamos, ainda que até essa altura nunca tivesse pensado nele nessa perspectiva. Tinha 22 anos quando casámos. E ficámos inclusivamente a residir numa casa na Amoreira da Torre. O meu marido era motorista de ligeiros e pesados e também exercia a função de tractorista quando tal era necessário.”

         Entretanto os anos foram passando…

         “E tivemos duas filhas – Ana Rita e Natalina – e lá fomos construindo a nossa vida. Por motivos vários fomos depois morar para a Rua Teófilo Braga e passados cerca de dois anos para a Rua da Matriz Velha. O meu marido continuava, no entanto, a ser motorista do Dr. Cunhal. Entretanto este faleceu e o Custódio continuou a exercer a mesma função para a D. Maria Rita e, mais tarde, para a D. Ana Maria. E esta situação manteve-se até o Custódio contrair a doença que o levou para a eternidade há cinco anos”

         Foi um rude golpe…

         “Foi mesmo. Há cerca de 2 anos sofri uma queda em minha casa e bati com a cabeça no chão. Estava sozinha, perdi os sentidos e quando os recobrei comecei a gritar mas só na manhã seguinte, depois de uma noite fria de Março ali caída, é que deram comigo. Fui no INEM para Lisboa, sei que fiz exames mas não me recordo de nada. Depois transportaram-me para Évora e estava de tal forma que não conhecia ninguém, inclusivamente as minhas filhas, e não falava. Estava completamente ausente. No hospital em Évora disseram à minha filha que teriam de me levar porque ali já não tinha solução. Internaram-me num Lar aqui em Montemor, onde voltei a cair de uma cadeira onde estava amarrada. Fui novamente para Lisboa, porque a pancada voltou a ser na cabeça. Fiz de novo vários exames e, após uma breve passagem pelo mesmo Lar, fui internada aqui no Hospital de S. João de Deus, onde estive três meses. Com os tratamentos melhorei muito, ainda que estando numa cadeira de rodas. Depois fui para Mora, para os cuidados continuados, onde estive mais três meses. Recuperei bastante.”

         E presentemente?

         “Dada a completa ausência de vagas no Abrigo para o “Lar”, fui admitida para o “Centro de Dia”. Vou portanto ficar a casa e, de noite, fico acompanhada por uma Senhora que me apoia sempre que necessário. Em Julho passado vim para o Abrigo. Aqui vou ao ginásio, onde continuo a recuperar, e sob a orientação da D. Céu, que é uma jóia, vamos fazendo desenhos, trabalhos de pintura, lemos, fazemos contas e já executámos trabalhos para expor no pavilhão do Abrigo na próxima Feira da Luz.

         Obrigado, D. Maria Amália e desejamos que se restabeleça totalmente.