terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

OS NOSSOS UTENTES

ISALINA MARIA MARCELINA


Depois das festividades carnavalescas a que o Abrigo aderiu, como é costume, voltámos à conversa, já mais calmos e recuperados das folias, com uma das nossas utentes. 


Nascida há 83 anos nos Foros dos Carapuções, perto de Cortiçadas de Lavre, numa família de oito irmãos dos quais só duas raparigas eram mais velhas que a nossa entrevistada, foi casada com António Filipe e é viúva há cerca de 25 anos. 

A vida, como se sabe, naqueles anos era muito difícil a todos os níveis. Repare-se nas primeiras declarações da D. Isalina: 

“Nunca aprendi a ler porque para aprendermos tínhamos de nos deslocar para Cortiçadas de Lavre e dos montes que compunham os Foros dos Carapuções eram só rapazes que se dirigiam para a escola, pelo que, nestas circunstâncias, o meu pai não me deixava ir. Outros tempos, outras maneiras de ver as coisas.”

E como também era habitual em casos semelhantes, começou a trabalhar bem cedo na lida do campo:

“Ao longo da minha vida fiz todas as tarefas agrícolas. Com cerca de 20 anos, ainda solteira, os meus pais foram morar para a Barrosinha. Então, só a minha irmã mais velha era casada, pelo que os restantes irmãos estavam na casa paterna e a labutar no campo.”

Por esta altura, certamente que já havia namorico …

“É verdade que tive vários pretendentes, mas eu era muito esquisita e nenhum me agradava. Até que, teria eu os meus vinte e quatro anos, apareceu aquele que pensei ser o certo. Ainda hoje não sei porque foi o escolhido. Inclinei-me para ali. Num baile campestre apareceu esse rapaz que começou a dançar comigo e foi como que o fogo ao pé da estopa. Aceitei-lhe namoro e passados dois anos estávamos casados. Fomos abençoados pelo Santo António e casámos pelo S. João.”

Passemos então à fase de casada:

“Depois do matrimónio, ficámos ainda na Barrosinha, ainda que noutras casas. Mas a nossa permanência aqui foi sol de pouca dura, porque o monte era muito isolado. Fomos então para a Sesmaria Nova, da Família Praça, onde, aliás, o meu marido nascera tal como os seus quatro irmãos. O meu António Filipe sabia e fazia todos os trabalhos agrícolas e eu ajudava-o, porque desde os meus 12 anos que sabia o que era trabalhar a sério. E para não perdermos mais tempo arranjámos logo o primeiro filho, o Manuel António, que haveria de nascer no ano seguinte.”

Teve de deixar a sua actividade enquanto o seu filho era bebé…

“É verdade. Só quando o meu filho era pequenino e precisava de mais cuidados é que interrompi o trabalho durante cerca de dois anos. E só retomei a minha actividade quando o podia ter ao pé de mim. Porque nessa altura tinha a meu cargo a cozinha dos trabalhadores. Fazíamos um grande lume ao ar livre e eu tomava conta das panelas, normalmente cobertas com testos de barro, contendo o almoço que cada um trazia de casa. Perto desse brasido existia um alpendre, coberto com folhas de zinco, e era aí que o meu Manuel ficava sob o meu olhar.”

E terminaram aí as vossas andanças ?

Não. Dali fomos para uma outra herdade da mesma Família Praça, chamada “Carregais”, onde viria a nascer o meu Jorge Manuel. Por aqui ficámos durante  nove anos. Seguiu-se mais um igual período de nove anos em “João Pais”, ali para os lados do Reguengo. Finalmente mudámo-nos mesmo para o Reguengo, onde o meu marido teve a infelicidade de sofrer uma trombose que lhe haveria de ser fatal três meses depois.”

E a sua vida sofreu uma grande transformação.

“Sim, como é fácil de perceber. Já estava então reformada e vivia com o meu filho mais novo, também ele operário agrícola, que, sendo solteiro, contribui para o sustento da casa, completando a minha reforma. Então, com o decorrer dos anos a deixarem as inevitáveis mazelas, consegui que o Abrigo me admitisse no “Centro de Dia”, onde me encontro desde Julho de 2014. À noite transportam-me para o Reguengo, onde estou com o meu filho.”

Não sabendo ler e não ligando muito aos programas transmitidos nos vários televisores espalhados pelas diversas salas, o dia da D. Isalina passa-se normalmente a conversar com outras utentes, quando o assunto lhe agrada ou desperta interesse.

Confessou-nos que em nova gostava de cantar, pelo que lhe sugerimos a entrada para o grupo coral “Cant’Abrigo”. Sorriu, mostrou-se reticente mas ainda não se decidiu.


Boa saúde, D. Isalina, é o que todos lhe desejamos.