sexta-feira, 19 de abril de 2019

OS NOSSOS UTENTES

LUDOVINA DE LURDES CÂRMELO RAMALHO



             Apesar de ter conhecido necessariamente momentos de felicidade ao longo dos anos, a nossa entrevistada deste mês conheceu igualmente muitas horas de sacrifícios e dois momentos de enorme desgosto que igualmente marcaram a sua vida. É viúva desde Agosto passado de Lourenço Manuel Bravo Carreiro. Mas vamos ouvi-la contar a sua história:

            “Sou natural do Escoural e a mais velha de seis irmãos. Os meus pais eram trabalhadores rurais e, com os baixos salários e uma casa de família para sustentar, tivemos uma infância muito difícil. Com tantos filhos, a minha mãe não podia trabalhar porque, ao contrário de hoje, não havia onde os deixar. Assim, era apenas a jorna do meu pai que, ganhando pouco, tinha de sustentar toda a família. Já se pode adivinhar como era difícil a nossa vida.”

            Estava mesmo a adivinhar-se que quanto à Escola …

            “Só os meus dois irmãos mais novos foram. Eu andei lá apenas três meses. E vou explicar porquê: Em certa altura o meu pai foi trabalhar para longe e, então, todos nós fomos com ele. Como a minha mãe também lá arranjou trabalho, fui eu que tive de ficar a tomar conta dos meus irmãos. Vivíamos numa barraca, feita pelo meu pai, com umas estacas e cobertura de plástico.”

            Mas em termos económicos melhoraram um pouco, ou não?

            “Pouco mais. Veja só isto: quando a minha mãe se queixava que os mais pequenos passavam o dia a chorar, sobretudo com fome, porque a comida era pouca, o meu pai a quem, não sei porquê, puseram a alcunha de “Ceroula”, dizia-lhe para lhes dar água e os deitasse, porque eles eram crianças e não sabiam o que queriam…”

            E depois desta passagem o que aconteceu?

            “Voltámos para o Escoural e, com 12 anos, comecei a apanhar azeitona. Depois, fui fazendo praticamente de tudo. Aos 19 anos comecei a namorar e aos vinte e três casei-me ou, por outra, juntei-me com o Lourenço, que tinha menos dois anos do que eu. Fomos então morar com a minha sogra durante vinte meses. Mudámos depois para o Monte da Prata, perto da Estação de Casa Branca. Entretanto nasceu o nosso filho – Manuel José –  e casámos oficialmente no dia do seu baptizado. Quando o Manuel José tinha perto de sete anos e foi para a Escola, ficou com a minha mãe, para que eu pudesse ir com o meu marido trabalhar para Rio Frio. O nosso serviço era num eucaliptal, onde o meu Lourenço, com uma serra eléctrica, procedia ao abate destas árvores. Aquilo não tinha as menores condições e para não dormirmos ao relento, o Lourenço fez uma cabana com armação em pano e coberta por plásticos. Por lá andámos oito anos, apenas com visitas ocasionais ao Escoural.

            Mas para além de todas estas dificuldades, que iam vencendo, um desgosto enorme estava para acontecer…

            “É verdade. Foi um duro golpe. O nosso filho, já casado, e com duas filhas, vivia no Escoural e estava empregado aqui em Montemor. Ele e mais três colegas deslocavam-se todos os dias para o emprego, revezando-se na utilização do carro. Num dia de fim de ano, seriam certa das sete e trinta da manhã, o carro em que seguiam e onde ele viajava ao lado do condutor, colidiu com um outro, ali junto ao Reguengo, e ele não resistiu aos ferimentos. Faria 32 anos no dia 5 de Janeiro seguinte. Foi um golpe muito duro.”

            Mas a vida teve de continuar…

            “Nem quero pensar no que temos sofrido. Mas temos de voltar à realidade. Em certa altura comprámos uma casa velha, no Escoural, que aos poucos fomos reabilitando. E quando regressei foi para lá que fomos morar. Trabalhámos os dois na Cooperativa Agrícola do Escoural cerca de quatro anos e o meu marido ainda fez três anos a tirar cortiça. Porém, já com mais de oitenta anos, adoeceu e, em Agosto passado, cometeu um acto desesperado, certamente fruto do mau estado de saúde em que já se encontrava. Foi outro rude desgosto que me atingiu”

            E agora, como passa os seus dias ?

            “Vou com frequência ao ginásio, pinto desenhos sob a orientação da D. Maria do Céu e vou passando os dias como Deus quer. Uns melhores que outros e não tenho tido vontade de assistir às festas que por aqui se vão fazendo. É que ainda está muito fresco na minha memória o desaparecimento do meu marido.”

            Coragem, D. Ludovina. Agora, como não pode remediar nada, tem de olhar por si.