terça-feira, 24 de junho de 2014

OS NOSSOS UTENTES

ANGELINA ROSA MERENDEIRA

Praticamente recém-chegada ao Abrigo, onde se encontra ainda não há um mês,a nossa convidada tem 80 anos, é viuva há trinta, de António José Inocêncio, e possui dois filhos (um casal).

“Nasci no Hospital Civil de Santo André, aqui em Montemor, na enfermaria de Santa Rita, no dia 18 de Fevereiro de 1934. Os meus pais viviam no Pomar da Gamela, para onde naturalmente eu fui logo que a minha mãe teve alta do parto. Teria perto de seis meses quando nos mudámos para o Monte do Bexico, rodeado pela Gamela, Rio Mourinho, São Luís e Ervideira. Aqui estive até aos meus 20 anos, idade com que me casei.”
            
A escola era, então, um luxo que estava vedado a quem vivia sobretudo no campo e mesmo a mentalidade da época contribuia para esse afastamento, como revela a D. Angelina: 

“Nesses tempos, e por várias razões, não era fácil as crianças irem aprender a ler e a escrever. O meu pai, por exemplo, dizia que as raparigas não precisavam de ir à escola porque, na sua opinião, escola de mais já elas tinham…”
            
E, portanto, o seu destino estava traçado: 

“Com dez anos comecei a apanhar azeitona e até aos quarenta e quatro nunca mais deixei a lida do campo.”
            
Enquanto isso, muitas outras coisas foram acontecendo: 

“Comecei a namorar o que viria a ser o meu marido quando tinha perto de catorze anos. Claro que à revelia sobretudo do meu pai. Namorávamos no trabalho. Mas passado algum tempo zangámo-nos e ainda namorisquei outro rapaz. Mas era do primeiro que eu gostava e, então, aos 17 anos recomeçámos o namoro e foi até casar, o que aconteceu tinha eu vinte anos. Estivemos casados 32 anos.”
           
A sua vida deu, por conseguinte, uma grande volta: 

“Claro está. Montámos a nossa casa no Moinho da Ana e, depois, ainda passámos pelos Baldios, Moinho do Pisão e estivemos também em Abrigada, perto da serra de Montejunto, a trabalhar num aviário. Mas aqui a vida não nos correu como desejávamos e regressámos a Montemor, para o Monte das Forneiras, onde o meu marido faleceu.”
            
Nova e profunda alteração na sua vida.

“Após o falecimento do meu marido vim morar para Montemor, mais propriamente para o nº 12 da Ruinha.” E esclarece: “Enquanto fui casada, nunca dei qualquer passeio, quer por dificuldades económicas, quer porque com dois filhos, cujas idades distavam apenas vinte e dois meses, tal não nos era possível”.
            
Reformou-se ainda relativamente cedo, mas explica porquê: 

“Problemas de saúde impediam-me de continuar a fazer os exigentes trabalhos agrícolas. Depois, graves problemas ao nível dos joelhos, tendo até sido operada a um deles, e o facto de não ter praticamente sensibilidade nas mãos agravaram o meu estado de saúde.”

Mas não querendo desistir da vida, resolveu dar outro passo de que guarda belíssimas recordações: 

“Já reformada, inscrevi-me no MURPI, actualmente ARPI, aqui na nossa cidade. E enquanto as minhas pernas e as mãos permitiram, desenvolvi ali actividades que nunca tinha tido a possibilidade de fazer. Aprendi, pelo menos, a conhecer as letras e a fazer cópias e, pela primeira vez na minha vida, percorri muitos lugares de Portugal e até fomos a Espanha. Fiz teatro, entrei num grupo coral e, veja bem, fui jogadora e ganhei prémios em modalidades como o dominó, sueca, bisca, malha e inclusivamente em concursos de pesca que a Instituição organizava anualmente.”
           
E hoje, como passa o tempo?
            
“Como já disse, estou no Abrigo há poucas semanas, porque entretanto o meu estado de saúde foi-se agravando. Mesmo assim, já faço parte do Grupo Coral “Cant’Abrigo”, cuja estreia teve lugar no dia de Santo António, durante as festas do 47º aniversário, e vou dando os meus passeios, com o auxílio das canadianas, nesta zona envolvente do edifício.”

            
Estamos convencidos de que, mais dia menos dia, vamos ter a D. Angelina a fazer parte do elenco artístico do Abrigo numa das habituais rubricas de teatro aqui levadas à cena.

segunda-feira, 16 de junho de 2014

O ABRIGO CELEBROU 47 ANOS


O Abrigo dos Velhos Trabalhadores que, com esta denominação, assinalou a passagem do seu 47º aniversário a 13 de Junho, dia de Santo António, nasceu e herdou a sua vocação assistencial a partir do Asilo de Mendicidade, que em Janeiro deste ano fez um século de existência.

Aliás, todo este processo está superiormente descrito no livro da autoria da Dra. Teresa Fonseca que foi dado à estampa por altura da efeméride, conforme foi largamente divulgado. A propósito, e para os interessados em conhecer mais em pormenor toda a história e o dia-a-dia da Instituição, aproveitamos para informar que ainda temos alguns exemplares da obra, que se intitula exactamente “Do Asilo de Mendicidade ao Abrigo dos Velhos Trabalhadores de Montemor-o-Novo – 1914/2014”, que pode ser adquirido nas nossas instalações pela módica quantia de 10 euros.

Posto isto, vamos então tentar relatar o que foi a festa que comemorou o recente aniversário, se bem que os momentos de emoção ali vividos sejam impossíveis de descrever.

Estava previsto, e é assim que acontece normalmente, que a cerimónia protocolar dos discursos de boas-vindas iniciasse os festejos. Mas desta vez furou-se a tradição.

Por razões de estratégia, o programa foi ligeiramente alterado, pelo que logo a abrir houve um excelente momento de teatro protagonizado pelos utentes do Abrigo e que serviu para evocar e homenagear figuras de Montemor que se notabilizaram ao longo dos anos nas mais variadas áreas. E sobre cada um dos homenageados foram relembradas facetas mais ou menos bem conhecidas.

Vamos então aqui lembrar as personagens e os intérpretes:

Manuel Justino Ferreira – Leopoldo Gomes
Curvo Semedo José Manuel Brejo
S. João de Deus Joaquim da Cabrela
Comandante Fragoso Salvador Boleto
Luís Miguel da Veiga Joaquim da Cabrela
Simão Malta José Grulha
Mafalda Veiga Salomé Pedras Alvas
Margarida Guerreiro Sandra Santos
Isabel Joaquina da Cruz Otília Brejo
João Luís Nabo (seu aluno de piano) – Leopoldo Gomes (que depois também dirigiu um Coral ali mesmo constituído de entre os assistentes).
Feliciano Rabaça do Carmo Francisco Tira-Picos
António Justino e Maria FlorentinaJosé Manuel e Rosária Baixo
Francisco Abílio Cara-Linda José Manuel Brejo
Teresa Fonseca e Jorge Fonseca Céu Mestrinho e José Manuel Brejo


As utentes que deveriam interpretar Mafalda Veiga e Margarida Guerreiro (eram elas Albina da Visitação e Angélica Ferro) tiveram de ser substituídas à última hora por motivos de saúde. Aqui fica uma palavra de apreço às substitutas, que desempenharam muito bem os seus papéis e cantaram de tal forma que pareciam mesmo as artistas originais.

Seguiram-se então os discursos da praxe. Com todo o elenco directivo em palco, o Presidente da Direcção, Joaquim Manuel Batalha, deu as boas-vindas aos presentes, seguindo-se António José Danado (Presidente da União das Juntas de Freguesia de Na. Sra. da Vila, do Bispo e Silveiras) e Hortênsia Menino (Presidente da Câmara Municipal) que em breves palavras realçaram o significado da festa e o papel importantíssimo desempenhado pelo Abrigo dos Velhos Trabalhadores ao longo dos anos.


Era chegado, portanto, outro momento importante: o lanche ajantarado. Num espeto rebolava um porco (generosa oferta de um amigo) para ser comido à tira, e noutros assadores o cheiro das sardinhas já ia invadindo todo o espaço, fazendo crescer água na boca. E então, através de atenciosas funcionárias e colaboradoras do Abrigo, aqueles acepipes foram sendo servidos, regados sobretudo com fresquinha e saborosa sangria ou sumos de fruta para os estômagos mais delicados.


E a tarde ia correndo com as conversas a subirem levemente de tom, como aliás sempre acontece nestas circunstâncias.

E foi sentados à mesa que vimos surgir outra surpresa por ser estreia absoluta. Subiu ao palco o “Grupo Coral Cant’Abrigo”, constituído na sua totalidade por utentes de ambos os sexos e excelentemente dirigido pelo escriturário do Abrigo e talentoso músico André Banha. Interpretaram, sob fortes aplausos, diversos temas bem conhecidos de todos os presentes, incluindo um deles (“A cegonha”) conjuntamente com o “Fora d’Horas” que se exibiria a seguir.


E a tarde ia decorrendo sem se dar pelo passar do tempo. E é bom sinal quando isso acontece.

Chegou então a altura do Grupo “Fora d’Horas” mostrar mais uma vez o seu reconhecido valor. Interpretou, com agrado geral, vários números do seu vasto reportório.


Aproximava-se o fim, mas ainda surgiu outra agradável surpresa. O novo conjunto musical, intitulado “Reflexus Band”, iniciou a sua actuação e desde logo mostrou que veio para ficar. Acompanhou o desfile da marcha onde os pares, com os respectivos arquinhos, iam desenvolvendo os seus desenhos artísticos.


E pronto. A partir daqui estava o baile armado. E já se sabe que quando os pares entram na dança quem é que os faz parar? E ainda bem. É sinónimo de que estão a viver e a desfrutar de horas bem agradáveis.

Ficam para o fim os agradecimentos. Os grandes responsáveis pelos momentos teatrais que periodicamente ali são apresentados, para além evidentemente dos utentes que sempre se disponibilizam (e cada vez são mais), são, como se sabe, o animador cultural José Manuel Brejo e a talentosa Maria do Céu Mestrinho, que alia um profissionalismo exemplar enquanto funcionária do Abrigo a uma aptidão natural para as artes cénicas. A secção teatral pretende fazer os seus agradecimentos particulares a quem cedeu roupas ou outros adereços para que a representação resultasse em pleno. O nosso obrigado a; Bombeiros Voluntários, Grupo Teatral Theatron, João Luís Nabo, Luís Miguel da Veiga, Manuel Henrique Macau Ferreira e Quim Guerreiro. A todos, o nosso obrigado.

Também a Direcção quer agradecer, de todo o coração. às pessoas e entidades que, com as suas generosas ofertas, tornaram possível estes momentos de agradável convívio entre todos os utentes, familiares e amigos.

Finalmente, uma palavra de apreço para os Funcionários e Funcionárias, Colaboradores, Voluntários e, enfim, para todos os amigos da Instituição, porque sem o seu esforço, trabalho, voluntarismo e dedicação estes eventos não seriam realizáveis, sobretudo com tal eficiência e brilhantismo. Por último, é de salientar que toda a decoração, incluindo os vasos com manjericos confeccionados em papel, foram obra paciente dos nossos utentes.


Para todos, o nosso BEM HAJAM !