sexta-feira, 28 de agosto de 2015

OS NOSSOS UTENTES

MIRALDINA DE JESUS CANTANHEDE PARRULAS

Agosto, mês de férias mas também propício a conversas amenas recordando fases de um passado iniciado em anos já longínquos.

A nossa entrevistada de hoje lembra o que foram alguns momentos marcantes dos seus 79 anos de vida (fará 80 primaveras em Outubro próximo), sessenta e um dos quais ao lado do seu marido – Salvador José Parrulas.


“É verdade, tinha eu exactamente 18 anos quando me casei com o meu amor de sempre. Ele era mais velho do que eu, tinha então 28 anos. Desta união nasceu um filho – Custódio Salvador Cantanhede Parrulas, actualmente com 59 anos e a residir na Quinta do Conde.”

Mas vamos começar pelo princípio, como aliás devem iniciar-se todas as histórias:
“Nasci no Monte da Maia, S. Mateus. Os meus pais tiveram muitos filhos, mais concretamente doze, dos quais apenas oito estiveram vivos ao mesmo tempo. Porque a família era grande e os proveitos do meu pai, como trabalhador rural, eram manifestamente pequenos, a minha avó materna levou-me para a sua casa, ali bem perto de onde moravam os meus pais. Teria eu cerca de 9 anos, manifestei a intenção de regressar à casa paterna, que por essa altura já se situava na Courela das Tornas, ali para os lados de Safira. Quando tornei efectiva essa vontade, dizia-me a minha avó, muito chorosa: ‘queres regressar para ir ajudar os teus irmãos a passarem fome ?’  Mas eu não quis saber e fui mesmo.”

Concretizado esse desejo, o que foi então fazer para casa?

“Sendo eu a mais velha dos irmãos, fiquei desde logo com a incumbência de tomar conta deles para que a minha mãe pudesse ir trabalhar.”

E durante quanto tempo durou essa situação?

“Ainda que contra a vontade do meu pai, por essa altura era obrigatório irmos à escola, pelo que tive de ir, e todos os dias me deslocava, acompanhada de outras crianças da mesma zona de Safira, para S. Gens, que era onde recebíamos as aulas. Íamos a pé, regra geral por veredas, e normalmente demorávamos mais de hora e meia no percurso. De Inverno, quando chegávamos à escola íamos todos molhados. No primeiro ano, com a D. Anica, fiz a primeira classe da instrução primária. No segundo ano consegui fazer a 2ª e a 3ª classes com a D. Leonor. Contra a vontade desta professora, por ali ficaram os meus estudos, porque a escolaridade apenas era obrigatória até à terceira classe e, entretanto, os meus pais precisavam de mim em casa. Já teria perto de quarenta anos, depois do 25 de Abril, quando fiz o exame da 4ª classe na Escola Primária S. João de Deus.”

Mas voltemos à infância…
“Com doze anos comecei a labutar no campo e o meu primeiro trabalho foi ceifar. A partir daí foi só continuar a fazer os trabalhos agrícolas, até à idade de 55 anos, altura em que tive de parar por motivos de doença.”

E quando é que conheceu o que haveria de ser o seu marido?
“Eu tinha 15 anos quando iniciámos o namoro e ele era dez anos mais velho. O Salvador era meu vizinho e o meu pai olhava com bons olhos o namoro, porque achava que ele era bom rapaz e trabalhador.”
Quer dizer, portanto, que nesse aspecto tudo caminhava bem …
“Não foi bem assim. Mais tarde, o meu pai veio a saber que o Salvador era muito namoradeiro e que, ao mesmo tempo, namorava outras raparigas. Não gostou dessa atitude e chamou-me a atenção que sendo ele assim, se calhar era porque não gostava muito de mim.”

A assistir agora à nossa conversa estava o marido, que pediu licença para interromper para confessar o seguinte: “É verdade que eu ia namorando outras ao mesmo tempo, mas desta é que eu realmente gostava e, portanto, foi com a Miraldina que casei.” 

Esclarecido este importante pormenor a conversa prosseguiu com a D. Miraldina: 
“Casámos em 1953 e fomos morar para o Monte do Marco, também perto da Maia. O meu marido era pedreiro e eu continuei a trabalhar no campo. Em 1969 mudámo-nos para o Bairro de S. Pedro, aqui em Montemor, onde residimos durante quarenta e cinco anos. Porém, no ano passado o meu marido foi vítima de um AVC e ficou incapacitado, pelo que deu entrada no Abrigo, em Outubro, onde se encontra como residente.

Foi um enorme revés na vossa vida.
“Realmente foi. E, como se isso não bastasse, também eu fui operada à coluna e fiquei impedida de fazer alguns trabalhos que me exigiam mais esforço. Fui morar para uma casa que o meu filho possui aqui na cidade e fiquei, desde então, a receber ajuda também do Abrigo na Valência de “Centro de Dia”. No meio de termos passado pelos azares da doença, foi uma sorte termos conseguido estes apoios, porque somos muito bem tratados.”

Apesar de saber ler e escrever, a D. Miraldina não gosta muito de leituras, ficando-se pelos títulos dos jornais. Também ainda não foi conquistada para fazer parte do grupo coral ou do grupo cénico. Pode ser que um dia ainda se decida. Vai ver que gosta.