quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

OS NOSSOS UTENTES

MÓNICA ETELVINA FIGUEIRAS BARBEIRO

Possuidora de uma excelente memória e de uma fluência assinalável, apesar de ter sido atingida por problemas graves de saúde, a nossa entrevistada deste mês nasceu em S. Pedro da Gafanhoeira (Arraiolos) em 26 de Junho de 1937. Viúva há 46 anos de João Inácio de Mira Salgado, teve três filhos, um dos quais faleceu há 11 anos e cuja perda ainda hoje lamenta e chora.

E vai contando:

“Éramos cinco irmãos (3 rapazes e duas raparigas). Todos nós frequentámos o ensino primário e concluímos a 3ª classe ainda que eu, mais tarde e já viúva, tenha estudado e feito o exame da 4ª classe.”

Aproveita este tema da conversa para contar o que, hoje, não deixa de ser insólito mas que na altura, e dadas as circunstâncias, se tratava de uma situação dita normal:


“O meu avô paterno era uma pessoa sem grandes estudos mas de enorme sabedoria. Desempenhava as funções de regente escolar, nome que se dava às pessoas que não tendo frequentado sequer o Magistério, substituíam nas zonas rurais os professores oficiais. Então, montado no seu cavalo, lá ia de monte em monte ensinar as primeiras letras aos filhos dos lavradores mais abastados. Curiosamente, este mesmo avô tinha 9 filhos (foram pelo menos estes os que conheci) e todos eles eram analfabetos, só vindo a aprender alguma coisa já em adultos.”

Mas como é que isso se explica ?

“Explica-se pelo facto de, sendo tanta gente a sentar-se à mesa todos os dias, havia que pôr toda a família a trabalhar, desde cedo, para garantir o sustento da casa.”

Mas voltando à D. Mónica …

“Quando acabei a escola, comecei quase de imediato, teria uns dez ou onze anos, a apanhar azeitona. E daí, até me casar, trabalhei sempre no campo, ao mesmo tempo que aprendia a fazer todas as tarefas domésticas. E com 15 anos comecei a namorar aquele que viria a ser o meu marido. E tinha eu 22 anos e o João 25, juntámo-nos em Setembro e casámos em Novembro.”

E então houve alteração na sua vida …

Fomos morar para o Sargaço, um monte perto de Arraiolos que pertencia ao meu sogro. Foi aqui que nasceu o meu filho mais velho. Entretanto, como a propriedade era pequena e o retalho não dava para nos governarmos, o meu marido ingressou na Polícia e fomos morar para Beja. Ele tinha já tirado o 2º ano dos liceus, estava especializado em “morse” e era sua intenção entrar nos quadros da Marconi, mas devido a doença não conseguiu esse objectivo. E foi assim que se manteve por Beja, onde atingiu o posto de 2º subchefe, com vários louvores.”

Mas um acontecimento trágico veio perturbar a sua vida:

“O meu marido veio a falecer em 1971, tinham os meus filhos 9, 7 e 5 anos. Vi-me, portanto, com dificuldades. Como eu então só tinha a 3ª classe e os empregos eram poucos, o Chefe da Polícia ainda tentou que eu entrasse como contínua numa escola primária. Porém, como eu não tinha ninguém de família em Beja que pudesse olhar durante o dia pelos meus filhos, eles teriam de entrar para a Casa Pia. E eu não quis.”

E como resolveu a sua vida ?

“Regressei à minha aldeia natal, a fim de não me separar dos meus filhos. E a minha mãe tomava conta deles durante o dia enquanto eu voltava aos meus trabalhos no campo. Foi por esta altura que fui tirar o diploma da 4ª classe, na expectativa de arranjar um emprego melhor. Mas não consegui.”

E tinha como único rendimento o produto do seu trabalho ?

“Exactamente. Nem sequer recebia qualquer pensão de sobrevivência. Porque o meu marido tinha falecido de morte natural, e não em missão ao serviço da polícia, não tinha direito a receber fosse o que fosse. Apenas, salvo erro, a partir de 1975 comecei a receber uma quantia, ainda que modesta.”

E por aí se foi mantendo ?

“Sim, senhor. Também trabalhei nas cooperativas agrícolas, tal como os meus filhos, e depois em Arraiolos a fazer tapetes na fábrica “Califa”. Continuei a viver em S. Pedro, trabalhando e fazendo toda a lida da casa. E foi o que fiz até me reformar. Entretanto, há uns meses, depois de um episódio de doença mais grave, fui viver para casa da minha filha Isaura, que reside nas Fazendas do Cortiço.”

Até que …

“Em Novembro, e porque o meu estado de saúde se agravou com uma trombose venosa, fui aceite no “Centro de Dia” aqui do Abrigo, onde actualmente me encontro. É que já não tinha condições para estar sozinha. Há cerca de dois anos, ainda em S. Pedro, fui vítima de um AVC e fiquei toda a noite caída no chão sem ter quem me acudisse. Tinha consciência do estado em que me encontrava mas nem sequer conseguia chegar ao telefone para pedir auxílio. Só de manhã é que chamei por socorro e fui ouvida”.

E como são os seus dias ?

“São passados como posso. Gosto de ler e até de ver televisão, mas os meus olhos já não são o que eram. Estou há mais de um ano à espera que me chamem para ser operada às cataratas e nem esse dia eu sequer vejo chegar.”

Pode ser que já não demore. Mas a D. Mónica já ficou a saber que, dentro do possível, vai ter acesso a jornais, revistas e livros para se ir entretendo.”


Aproveitamos para endereçar à D. Mónica, a todos os Utentes do Abrigo, aos membros dos Órgãos Sociais, Funcionários(as), Colaboradores(as), Sócios(as), Leitores(as) e respectivas Famílias, um BOM NATAL e um NOVO ANO sobretudo com muita saúde!